domingo, 30 de agosto de 2015

Papa no Angelus: é escândalo quem se diz muito católico e não vive a fé


No Angelus, Francisco afirmou que manter a observação exterior da lei não é o suficiente para sermos bons cristãos


Cidade do Vaticano (RV) - Na manhã deste domingo (30) durante o Angelus, com a Praça São Pedro tomada de fiéis e peregrinos de diversas partes do mundo, Papa Francisco comentou sobre o Evangelho do dia que apresenta uma disputa entre Jesus e alguns fariseus e escribas, sobre o valor da ‘tradição dos antigos’.

Francisco convida a fazer distinções entre os “preceitos dos homens” que não são “os mandamentos de Deus”.

“As antigas prescrições compreendiam não somente os preceitos de Deus revelados a Moisés, mas uma série de regras que especificavam as indicações da lei mosaica. Os interlocutores aplicavam tais normas em modo muito escrupuloso e apresentavam elas como expressões de autêntica religiosidade. Portanto, repreendiam Jesus e os seus discípulos pela transgressão delas, em particular, daquelas em relação à purificação exterior do corpo. A resposta de Jesus tem a força de um pronunciamento profético: ‘Ignorando o mandamento de Deus, observam a tradição dos homens’."

Jesus ensina para nós, hoje, sobre o perigo de nos considerarmos “melhores dos outros pelo simples fato de observar as regras, as tradições”. 

“A observação literal dos preceitos é alguma coisa de estéril se não muda o coração e não se traduz em comportamentos concretos: abrir-se ao encontro com Deus e à sua Palavra, procurar a justiça e a paz, socorrer os pobres, os fracos, os oprimidos.”
Improvisando durante seu pronunciamento do Angelus, da janela do seu escritório, Papa Francisco colocou em causa a vida nas comunidades eclesiais e afirma:
“Todos sabemos, nas nossas comunidades, nas nossas paróquias, nos nossos bairros, quanto mal fazem à Igreja e fazem escândalo aquelas pessoas que se dizem ‘muito católicas’ e vão frequentemente na igreja mas, depois, na sua vida quotidiana, descuidam da família, falam mal dos outros e assim por diante. Isso é aquilo que Jesus condena”, porque é um testemunho contra a vida cristã.

“Prosseguindo na sua exortação”, afirmou ainda o Papa, “Jesus foca a atenção sobre um aspecto mais profundo e afirma: ‘Não existe nada fora do homem que, entrando nele, possa torná-lo impuro. Mas são as coisas que saem do homem que o tornam impuro’”. E o Santo Padre não tem dúvidas:
“Não são as coisas exteriores que nos fazem santos ou não santos, mas é o coração que expressa as nossas intenções, as nossas escolhas e o desejo de fazer tudo pelo amor de Deus. As atitudes exteriores são a consequência daquilo que decidimos no coração, mas não o contrário. Com as atitudes exteriores, se o coração não muda, não somos verdadeiros cristãos. Portanto, é o coração que deve ser purificado e se converter. Sem um coração purificado, não se pode ter mãos realmente limpas e lábios que pronunciem palavras sinceras de amor.”

E, então, fez um oração à Maria:
“Peçamos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria, para nos dar um coração puro, livre de toda hipocrisia. Esse é o adjetivo que Jesus disse aos fariseus: ‘hipócritas’, porque dizem uma coisa e fazem outra. Livre de toda hipocrisia, assim, que sejamos capazes de viver segundo o espírito da lei e alcançar o seu fim, que é o amor.” (AC)

Confira agora, na íntegra, as palavras de Papa Francisco no Angelus:

Queridos irmãos e irmãs,
o Evangelho deste domingo apresenta uma disputa entre Jesus e alguns dos fariseus e escribas. A discussão é referente ao valor da “tradição dos antigos” que Jesus, referindo-se ao profeta Isaías, define “preceitos de homens” e que nunca deve ficar no lugar do “mandamento de Deus”. As antigas prescrições compreendiam não somente os preceitos de Deus revelados a Moisés, mas uma série de regras que especificavam as indicações da lei mosaica. Os interlocutores aplicavam tais normas em modo muito escrupuloso e apresentavam elas como expressões de autêntica religiosidade. Portanto, repreendem Jesus e os seus discípulos pela transgressão delas, em particular, daquelas em relação à purificação exterior do corpo. A resposta de Jesus tem a força de um pronunciamento profético: “Ignorando o mandamento de Deus, observam a tradição dos homens”. São palavras que nos enchem de admiração pelo nosso Mestre: sentimos que nEle tem a verdade e que a sua sabedoria  nos libera dos preconceitos.

Mas, atenção! Com essas palavras, Jesus também quer colocar em alerta nós, hoje, que ao manter a observação exterior da lei seja suficiente para sermos bons cristãos. Como naquela época para os fariseus, existe também para nós o perigo de nos considerarmos tranquilos ou melhores dos outros pelo simples fato de observar as regras, as tradições, mesmo se não amamos o próximo, somos duros de coração e orgulhosos. A observação literal dos preceitos é alguma coisa de estéril se não muda o coração e não se traduz em comportamentos concretos: abrir-se ao encontro com Deus e à sua Palavra, procurar a justiça e a paz, socorrer os pobres, os fracos, os oprimidos. Todos sabemos, nas nossas comunidades, nas nossas paróquias, nos nossos bairros, quanto mal fazem à Igreja e fazem escândalo aquelas pessoas que se dizem ‘muito católicas’ e vão frequentemente na igreja mas, depois, na sua vida quotidiana, descuidam da família, falam mal dos outros e assim por diante. Isso é aquilo que Jesus condena, porque é um testemunho contra a vida cristã.

Prosseguindo na sua exortação, Jesus foca a atenção sobre um aspecto mais profundo e afirma: “Não existe nada fora do homem que, entrando nele, possa torná-lo impuro. Mas são as coisas que saem do homem que o tornam impuro”. DesSe modo, enaltece o primado da interioridade, do coração: não são as coisas exteriores que nos fazem santos ou não santos, mas é o coração que expressa as nossas intenções, as nossas escolhas e o desejo de fazer tudo por amor.  As atitudes exteriores são a consequência daquilo que decidimos no coração. A fronteira entre o bem e o mal não passa fora de nós, mas sim, dentro de nós. E podemos nos questionar onde está o meu coração? Jesus dizia: ‘O teu tesouro é onde está o coração’. Qual é o meu tesouro? É Jesus, a sua doutrina? É o coração bom ou o tesouro é uma outra coisa. Portanto, é o coração que deve ser purificado e se converter. Sem um coração purificado, não se pode ter mãos realmente limpas e lábios que pronunciem palavras sinceras de amor: tudo é duplo, não? Aquela dupla vida; palavras que pronunciam misericórdia, perdão. Somente isso pode fazer o coração sincero e purificado.

Peçamos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria, para nos dar um coração puro, livre de toda hipocrisia para que, assim, sejamos capazes de viver segundo o espírito da lei e alcançar o seu fim, que é o amor. 

Franciscano do dia - 30/08 - Bem-aventurado Junípero Serra



Sacerdote da Primeira Ordem, apóstolo da Califórnia (1713-1784). Beatificado por São João Paulo II no dia 25 de setembro de 1988. 

Este bem-aventurado, conhecido como o Apóstolo da Califórnia, nasceu em Petra na ilha de Maiorca, a 24 de novembro de 1713, de Antônio Serra e Margarida Ferrer, pais exemplares pelos costumes e piedade, embora pessoas de pouca instrução. A criança foi batizada com o nome de Miguel José e foi crismado com a idade de apenas dois anos, por ocasião da visita do bispo de Maiorca, Atanasio Esterripa. Criança ainda, ajudava os pais nos trabalhos do campo e freqüentou a escola anexa ao convento franciscano de São Bernardino, dando provas de inteligência viva e aberta e desta forma pôde ser encaminhado para fazer estudos superiores.

Depois de um ano de estudos filosóficos no convento de São Francisco de Palma, com 17 anos, vestiu o hábito franciscano no convento Santa Maria de Jesus. A 15 de setembro de 1731 emitiu os votos religiosos mudando o nome de batismo para o de Junípero, devido à grande admiração que tinha para com Frei Junípero, um dos primeiros companheiros de São Francisco. Concluídos com brilhantismo os estudos teológicos, foi ordenado diácono em 1736 e, posteriormente, sacerdote. Em 1743, já tinha sido designado para o ensino de filosofia no convento de São Francisco de Palma. Nesse período manifestou dotes de fino orador. Foi chamado a ocupar a cátedra de teologia escotista na Universidade Lulliana de Palma de Maiorca. Nunca haveria de deixar o ministério da pregação.

Aos 35 anos de idade, não obstante a fecundidade de seu apostolado na ilha, Frei Junípero, obedecendo a uma vocação interior, partiu rumo às Missões da América junto com um seu discípulo, Frei Francisco Palòu. Os dois permanecerão juntos por toda a vida. Partiram no dia 13 de abril de 1749, de Málaga. Depois de dramática travessia chegaram a São João de Porto Rico no dia 18 de outubro e a 7 de dezembro alcançaram Vera Cruz, na costa sul do México. A pé prosseguiram até a cidade do México. Passou a exercer apostolado junto aos indígenas falando em sua língua. Fez um catecismo na língua do povo e ensinava rudimentos de ciência e técnicas a respeito do trabalho da terra.

Graças à ajuda dos que eram missionados, Junípero e seu colega puderam construir em Santiago de Jalpán uma igreja de pedra, de estilo barroco ainda hoje tido como monumento de interesse histórico e tomado, posteriormente, como modelo para a realização de quatro outras igrejas na missão. Em seu trabalho pastoral insistia nas graças dos sacramentos da eucaristia e da reconciliação. Costumava confessar-se a seu confrade Frei Francisco diante de todos, antes da celebração da missa. Levou os indígenas a uma qualidade de vida respeitável e digna.

O colégio de São Ferdinando (Fernando), ao qual padre Serra pertencia, em 1751 contava com cinco missões das quais ele tinha sido nomeado presidente e primeiro responsável até que foi enviado por seus superiores ao Texas para restaurar a missão de São Sabas destruída um pouco antes pelos índios Apaches, tarefa pouco depois revogada, devido ao perigo que comportava para o missionário. De 1758 até 1767 permaneceu no colégio apostólico de São Ferdinando como mestre de noviços e pregador de missões em várias dioceses mexicanas. Nunca deixou de frisar a importância das celebrações litúrgicas, mas, sobretudo, implantará modelo de vida comunitária e de organização econômica, ensinando como trabalhar o campo, criar o gado e exercitar-se na arte da cerâmica.

Em junho de 1767, depois da expulsão dos jesuítas das possessões do vice-reino de Espanha por decisão de Carlos III, as missões da Baixa Califórnia foram confiadas aos Franciscanos e Frei Junípero foi nomeado seu superior. Em 1º de abril de 1768, junto com 14 companheiros, empreendeu a corajosa e extenuante viagem rumo à península da Baixa Califórnia, cujo clima é caracterizado por longos períodos de seca e de temperaturas muito elevadas. Estabeleceu o quartel general da missão em Loreto. Fez o que pode sempre sob a vigilância do governo civil sobre as missões. Incansável foi seu trabalho também porque a população local vivia somente de caça e da pesca desconhecendo as técnicas do cultivo da terra.

Depois de dois anos, devido também às condições econômicas favoráveis, pôde fundar a primeira missão californiana de San Diego de Alcalà. Deslocou-se na direção da Alta Califórnia e fundou as Missões de São Carlos Borromeu, de Santo Antônio de Pádua, São Gabriel e de São Luis Bispo e muitas outras. Segue-se um período de incompreensão com um comandante militar da Nova Espanha, José de Galvez. Por este motivo, o bem-aventurado retirou-se a pé para o México permanecendo no Colégio de São Ferdinando até 13 de março de 1774. Volta aos antigos campo de atividade. A missão prosseguia lenta mas perseverantemente. Foram refundadas as missões destruídas pelos índios e abertas outras novas. No final de tudo, retirou-se com seu confrade fiel para Monterey, na Califórnia, que escreveu a biografia do bem-aventruado como testemunha ocular.

Merecidamente, Junípero Serra foi definido como um colosso de evangelizador. Durante dezessete anos, precisamente de 1767 a 1784 percorreu, apenas na Califórnia, perto de 9.900km a pé, 5.400 em embarcação, não obstante a idade e as enfermidades. Fundou 9 missões, das quais derivam os nomes franciscanos de cidades californianas muito importantes, como São Francisco, São Diego, Los Angeles, etc.

Frei Junípero, fortemente debilitado em sua saúde, pela asma e gangrena numa perna, morreu a 28 de agosto de 1784 no retiro do Carmelo de Monterrey na Califórnia com 71 anos de idade, sendo que 36 deles foram dedicados à missão.

Considerado o pai dos índios, foi honrado como herói nacional. Desde 1º de março de 1931, a sua estátua representando o Estado da Califórnia, está entre as outras dos Pais fundadores dos Estados Unidos na Sala do Congresso de Washington, estátua única de um religioso no Santuário dos americanos ilustres. O ponto mais alto da cordilheira de montanhas de Santa Lucia na Califórnia tem o seu nome.
São João Paulo II o beatificou a 25 de setembro de 1988.


sábado, 29 de agosto de 2015

“Santa Clara e a Virgem Maria"


Reflexão de Frei Almir Guimarães

Oferecemos aos nossos leitores algumas reflexões em torno do tema da presença da Mãe de Deus na vida e na trajetória de Clara de Assis. Inspiramo-nos  em texto do erudito franciscano alemão  Lothar Hardick. Pudemos dispor de uma tradução  italiana do autor, cujo original é alemão (La Spiritualità di S. Chiara,  Ed. Biblioteca  Francescana, Milano  1986).

1. O cristão tem consciência de que sua vida se desenrola sob o olhar atencioso e vigilante da Providência. Examinando os acontecimentos que tecem seu cotidiano não os vê como fatos fortuitos, frutos de um destino cego. Ao contrário, procura ver em todos os fatos que vão tecendo a história e sua trajetória pessoal explicitações da vontade de Deus. As circunstâncias da vida “falam”.  Os cristãos tentam, pois, ouvir aí a voz do Senhor. Este fala, não poucas vezes, no silêncio. Destarte aquele que cultiva a dimensão do silêncio consegue, com certa facilidade, captar  a voz do Senhor nos acontecimentos. A fé torna o cristão disposto para deixar-se guiar por  Deus.

2. Os medievais  tinham profunda visão de fé a respeito do tema. Descobriam símbolos e sinais ricos de significado. Não estamos nos referindo a um encadeamento de fatos mais ou menos ruidosos e extraordinários, frutos de imaginações doentias e exaltadas,  viciadas em ver símbolo em tudo, mas de uma autêntica atitude cristã diante dos acontecimentos.  Assim, podemos  “ver”  alguns traços da Providência na trajetória de Clara.

3. Na noite decisiva para sua nova vida  Clara, por ordem de Francisco, se dirigiu à capela da Porciúncula. Nesta igreja da Virgem Maria, de Nossa Senhora dos Anjos,  igreja mãe da Ordem Franciscana, Clara recebe das mãos de Francisco o hábito da Ordem, depois de ter seus cabelos cortados. Segundo seu biógrafo, este acontecimento tem grande importância para a santa:   “Não convinha que,  à véspera dos tempos novos, florescesse  em outro lugar, a Ordem da  virgindade senão no palácio daquela que primeira de todas e digníssima foi a única mãe e virgem”  (LSC  8).

4. A vestição de Clara no Santuário da Mãe de Deus, mostra o que a santa deveria significar para o mundo: “que as mulheres imitem Clara, vestígio da Mãe de Deus, nova guia das mulheres” (Intr. LSC).  Magnifica síntese  da vida de Clara!

5. Francisco, o “discípulo do Verbo encarnado”, foi designado de “outro Cristo”  (Pio XII,  2 de fevereiro de 1926). Clara foi designada  como  “vestígio da Mãe de Deus”.  A presença do binômio  homem-mulher é lei  de todos os grandes começos:  Adão e Eva;  Cristo-Maria; Francisco-Clara.

6. Celano não foi o único a chamar atenção para as  influências marianas na trajetória de Clara. O Cardeal Protetor  faz eco, quando falando de Clara e de suas irmãs  diz  que “seguiam as pegadas de Cristo e de sua santíssima Mãe” (Bula de Canonização de Santa Clara). O próprio Francisco já havia contemplado a trajetória de Clara e de suas irmãs a partir desta ótica. Clara inseriu em sua Regra o teor do bilhete que Francisco lhe enviara antes de morrer:  “Eu, Frei  Francisco pequenino, quero seguir a vida e pobreza de nosso altíssimo Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe santíssima e perseverar nela até o fim”. O que vale para Francisco ele quer que valha para as damianitas. Que sigam Maria como mulheres!

7. Clara corresponde completamente ao pedido-desejo de Francisco. Queremos chamar atenção para  alguns aspectos da devoção de Clara por Maria:  coloca a festa da Assunção  de Maria entre os sete dias do ano em que as irmãs devem receber a comunhão, considerando esta festa como das maiores solenidades (Regra III, 14).  Clara  invoca a Virgem como protetora das irmãs de maneira toda particular, não simplesmente como era o costume cristão da época.  Assim, um sinal desse amor preferencial de Clara  por Maria é a suspensão do jejum em suas festas, segundo o desejo de Francisco  (3 Carta Inês, 36).

8. Venerava  a Virgem porque tinha plena confiança em seu socorro.  A Mãe de Deus cuida efetivamente dos homens. É verdadeira mãe  para os homens:  ensina-lhes  a se aproximarem de Cristo e torna-se exemplo luminoso do seguimento de Cristo.  Imitar a Maria é o caminho mais seguro para unir-se a Cristo. Por isso não se pode deixar de manifestar-lhe afeto.

9. Que atitude de Maria mais chamou a atenção de Clara? Quais os traços da Senhora que ela quer imitar?  Castidade e virgindade ocupam o primeiro lugar.  Tal transparece  no Testamento, 75 e de modo particular na  3ª. Carta a Inês:  “Apega-te à sua dulcíssima Mãe, que gerou tal grande Filho que o próprio  céu não pode compreender e, no entanto, ela o carregou no pequeno recinto de seu sagrado ventre o gestou no seio de uma jovem mulher”  (18-19). O voto de castidade permite que Clara imite a Virgem.

10. Clara contempla também em Maria a pobreza  e nela encontra uma razão a mais  para o seguimento da via  evangélica: “… observemos para sempre a pobreza e a humildade de  nosso Senhor  Jesus Cristo e de sua santíssima Mãe …”  (RSC  XII, 13). Clara, no Testamento,  fala do surgimento do grupo de irmãs  “que  o Senhor Pai gerou em sua santa Igreja, pela palavra e  pelo exemplo  de nosso beatíssimo Pai Francisco, para seguir a pobreza e a humildade de seu dileto Filho e de sua gloriosa Mãe”  (n. 46).

11. Maria se declara  “serva”  do Senhor.  Por isso a imitação da Mãe de Deus conduz necessariamente à humildade.  Belíssima a passagem da 3ª. Carta a Inês:  “Assim  tu  também, seguindo-lhe os passos, sobretudo os passos da humildade e pobreza, podes carregar sempre espiritualmente no teu corpo  casto e virginal, sem nenhuma dúvida  contendo aquele que te contém a ti e a tudo o mais, possuindo Aquele que em comparação com os bens passageiros deste mundo, possuirás  com mais valor”  (25-27).

12. Vale a pena refletir em toda a exortação que Clara faz  nesta terceira carta à Clarissa de Praga:  “Eis que, pela graça digníssima de Deus dada  às criaturas, consta que a alma  do homem fiel é maior do que o céu, visto que o céu e todas  as demais criaturas não podem  compreender o  Criador e somente a alma fiel lhe serve de mansão e morada, e isto só ocorre pela caridade e que os ímpios carecem:  no testemunho da própria verdade, que diz, quem me ama será amado  por meu Pai e  eu o amarei  e viremos a ele e faremos nele a nossa morada.  Assim, portanto, como a Virgem gloriosa das virgens o fez materialmente, assim também tu, seguindo-lhes os passos, e sobretudo os passos da humildade e pobreza, podes carregar no teu corpo casto….Aquele que te contém a ti e a tudo” (21-26).

13. Discípula de Francisco,  Clara  tem  amor íntimo pela  Senhora.  Nesse particular parece ir mais longe do que Francisco: “Essa é aquela excelência  da altíssima  Pobreza  que vos constituiu, caríssimas irmãs minhas, herdeiras e rainhas do  Reino dos céus e vos fez pobres  em coisas e vos sublimou em virtudes.  Seja esta a vossa porção  que conduz à terra dos viventes.  A ela aderindo inteiramente, diletíssimas irmãs,  em nome de nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe santíssima não queirais jamais outra coisa  debaixo do céu”  (RSC  VIII,4-6).

14. Clara se esforçava em ser imagem de Maria.  Maria ilumina também sua morte.  A Mãe de Jesus acompanha o cortejo  da santas virgens que lhe aparecem no leito de morte.   “…eis que, em brancas vestes, entra uma multidão de  virgens, todas com grinalda de ouro na cabeça. Entre elas uma caminhava  mais luminosa que as demais, de  cuja coroa  – que em seu cimo  apresentava uma espécie de turíbulo com orifícios  – irradiava tanto esplendor  dentro da casa  que  convertia a própria noite em  luz  do dia.  Aproximou-se do pequeno leito em que  jazia a Esposa do Filho  e inclinando-se sobre ela, dá-lhe um abraço cheio de ternura. É trazido  pelas virgens um pálio de maravilhosa beleza e estendendo-o,  todos à porfia,  o corpo de Clara  é coberto e o tálamo adornado” (LSC 46).

15.  “Em seguida, a Virgem das virgens, que era maior,  inclinou seu rosto sobre o rosto da mencionada virgem  Santa Clara, ou então,  sobre o seu peito, pois a testemunha não pode distinguir bem  uma coisa da outra…e a santíssima senhora  Clara  morreu  na segunda-feira seguinte”  (Processo de Canonização,  10,4).

 Frei Almir Ribeiro Guimarães, Ofm

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Franciscano do dia - 28/08 - Bem-aventurado Vicente Ramirez



Religioso e mártir no Japão, da Primeira Ordem (1597-1622). Beatificado por Pio IX no dia 7 de julho de 1867.

Vicente de São José, mártir no Japão, nasceu em Aiamonte, Espanha, por volta do ano 1597. Ele migrou para o México e entrou como irmão leigo na Ordem dos Frades Menores, distinguindo-se pela observância da Regra e pelo exercício fiel dos mais humildes ofícios.

Bela aparência e comportamento nobre suscitaram admiração entre as mulheres, mas ele sempre soube defender sua castidade com prudência e mortificação. Em 1617, a ele se juntou Frei Luís Sotelo e Frei Pedro de Ávila em viagem para as Filipinas. De lá, em 1619, foi para o Japão, apesar da proibição muito rigorosa contra os missionários estrangeiros de desembarcarem nas ilhas japonesas. Colaborou com os padres e missionários e serviu de várias formas a comunidade cristã.

Em 7 de setembro de 1620 foi descoberto na casa de Domingos e Clara Yamada, juntamente com Frei Pedro de Ávila. Ele foi levado para a cadeia de Suzuta, onde não tinha higiene e a comida era escassa e ruim; lá permaneceu cerca de dois anos. A presença dos irmãos de fé e sacerdotes aliviava em grande parte os sofrimentos. O governador Gonrocu ordenou a sua transferência para Nagasaki, juntamente com outros 23 cristãos europeus e japoneses em setembro de 1622.

O que mais entristeceu Frei Vicente foi a traição de um apóstata, que conhecia o refúgio seu e de Frei Pedro de Ávila. O cristão traidor procurou um dia Frei Pedro para atendê-lo em confissão. O religioso pediu que ele se preparasse e voltasse depois. O traidor rapidamente procurou o governador para avisar da presença dos dois religiosos.

 Imediatamente, o governador enviou guardas para prendê-los. Amarrados pelos braços foram levados juntos para as prisões de Nagasaki e de Omura, onde já se encontravam os Pe. Apolinário Franco e dois outros franciscanos. Antes de partir para Omura, os dois confessores da fé tiveram o prazer de vestir o hábito franciscano e por todo o caminho Frei Pedro de Ávila pregou a fé em Jesus Cristo.

Frei Vicente Ramirez de São Jose foi queimado vivo em 10 de setembro de 1622. O castigo foi mais duro e agonia mais longa porque a madeira que foi queimada ficou colocada longe do poste, onde o mártir foi colocado. Vicente tinha apenas 25 anos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Franciscano do dia - 27/08 - Bem-aventurado João de Santa Marta


Sacerdote e mártir no Japão, da Primeira Ordem (1578-1618). Beatificado pelo Papa Pio IX no dia 7 de julho de 1867. 

João de Santa Marta nasceu perto de Tarragona, na Espanha. Aos 8 anos, era um coroinha cantor da Catedral de Saragoza: ele estudou latim e era conhecido por seu amor à música. Mais tarde, ele se tornou parte da Schola Cantorum da Catedral de Zamora. Logo ele entrou para a Ordem Franciscana.

O bem-aventurado se mostrou fiel à graça da vocação, buscou a perfeição e se tornou um modelo de virtudes religiosas. Ordenado sacerdote, Deus inspirou-o a se consagrar ao apostolado entre os povos pagãos. Ele partiu para as Filipinas com Frei Sebastian de São José e outros 30 missionários franciscanos, muitos dos quais dariam logo a vida depois de Cristo.

João passou das Filipinas para o Japão, onde abriu uma escola de música que reuniu mais de 400 alunos, aos quais ensinava órgão, canto e outros instrumentos. No Japão, exerceu durante 10 anos um intenso apostolado, evangelizando várias províncias. Ele foi coordenador da Missão de Fuscimi, onde ele se mostrou um verdadeiro apóstolo de Cristo, incansável no trabalho de evangelização. Amante da pobreza seráfica, vestindo uma túnica remendada, caminhava descalço, sem sandálias, mesmo no inverno. Sua virtude valeu-lhe a veneração dos cristãos e mesmo dos pagãos.

No momento da promulgação do decreto de perseguição, em 1614, Frei João de Santa Marta foi banido, mas logo voltou no Japão e, disfarçado de japonês, visitou as províncias de Arima e Omura, onde a perseguição foi mais violenta. O santo missionário visitava os cristãos em suas casas, fortalecia os inseguros, administrava os sacramentos, celebrava a Missa diariamente, mudando de lugares. À noite, ele se retirava a uma montanha, onde repousava.

Ele foi colocado na prisão, onde permaneceu por três anos com um sofrimento incalculável. O confessor de Cristo viu chegar o dia da última batalha. Enquanto estava sendo levado ao matadouro ainda falou do Evangelho e cantou o “Te Deum”. À chegada do local do martírio orou por seus perseguidores, levantou os olhos ao céu e ofereceu a cabeça para o machado do carrasco. Foi em 16 de agosto de 1618 e tinha 40 anos. Algumas partes de seu corpo foram recolhidas por cristãos e passaram a ser veneradas, realizando prodígios.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Papa Francisco - "Quando o afeto por Deus não acende o fogo, o espírito da oração não aquece o tempo "


Cidade do Vaticano – O Papa concedeu na manhã desta quarta-feira, 26, a sua centésima audiência geral no Vaticano. A primeira do Pontificado de Francisco foi no dia 27 de março de 2013, duas semanas após a sua eleição.

Desde 10 de dezembro de 2014, Francisco está desenvolvendo catequeses sobre a Família, que será o tema do próximo Sínodo, em outubro. Neste mês de agosto, já dissertou sobre duas dimensões do ritmo de vida familiar: a festa e o trabalho. Hoje foi a vez do tempo da oração.

Ouvimos continuamente dizer que “o tempo é pouco; nunca chega para tudo… deveria rezar mais…, gostaria, mas não tenho tempo”, lamentam muitos cristãos, com sinceridade. Quem tem uma família, aprende a resolver uma equação que nem os grandes matemáticos conseguem: dentro das vinte e quatro horas do dia, fazem entrar o dobro. Há pais e mães que merecem o Prêmio Nobel por isso! O segredo está no carinho que têm por seus queridos”.

O Papa questionou os fiéis sobre o amor que sentem pelo Senhor: “Conseguimos pensar em Deus como uma carícia que nos dá e mantém a vida, uma carícia da qual nem a morte nos pode separar? Ou pensamos Nele apenas como num grande Ser todo-poderoso, num Juiz que tudo vê e controla nossas atitudes? Quando o afeto por Deus não acende o fogo, o espírito da oração não aquece o tempo; mas se o coração for habitado por Deus, até um pensamento sem palavras ou um beijo mandado por uma criança a Jesus se transformariam em oração”.

Inserindo este conceito no âmbito da catequese nas famílias, o Pontífice acrescentou que “é belo ver as mães ensinando aos filhos pequenos a mandar um beijo a Jesus ou a Nossa Senhora. Este é o espírito da oração, que nos leva a encontrar tempo para Deus, fazendo-nos sair da obsessão de uma vida onde sempre falta tempo, para encontrar a paz das coisas necessárias”.

A este ponto, o Papa citou o episódio narrado no Evangelho de Lucas que fala da visita de Jesus às irmãs Maria e Marta, quando esta aprendeu que oferecer a hospitalidade, apesar de importante, não era tudo. Escutar o Senhor, como fazia Maria, era a coisa realmente essencial, a “parte melhor” do tempo.

“Na oração da família, em seus momentos mais fortes e nas vicissitudes mais difíceis, nos entregamos uns aos outros, para que todos sejamos protegidos pelo amor de Deus”, disse Francisco, concluindo com as seguintes palavras:

“O Evangelho, lido e meditado na Família, é como um pão bom que nutre o coração de todos de manhã até a noite. Quando formos para a mesa, aprendamos a rezar juntos, com simplicidade: é Jesus que vem a nós. Uma coisa que levo no coração e que vi nas cidades: muitas crianças ainda não aprenderam a fazer o sinal da Cruz. Mães, pais, ensinem suas crianças a rezar e a fazer o sinal da Cruz; é um dever muito bonito dos pais!”.

Depois de ser longamente aplaudido por suas palavras e gestos, o Papa saudou os presentes que lotaram a Praça e leitores traduziram sua catequese em várias línguas.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

São Luís IX, Rei da França - Padroeiro da Ordem Franciscana Secular


São Luís IX e os Franciscanos - (Final)

Frei Sandro Roberto da Costa, ofm

Estamos muito bem informados sobre a vida de Luís, através das várias biografias, escritas por contemporâneos seus, ou pessoas próximas a seus familiares. As principais informações nos foram transmitidas por seu amigo, confidente, e mais importante biógrafo, o leigo Jean de Joinville, que escreveu “A Vida de São Luís”. Outra biografia foi escrita por Godofredo de Beaulieu, frade dominicano e confessor do rei, que lhe esteve muito próximo nos últimos vinte anos de sua vida. O capelão do rei, Guilherme de Chartres, Grão-Mestre da Ordem dos Templários também escreveu uma “Vida de São Luís”. Outra fonte importante é a vida escrita pelo franciscano Guilherme de Saint-Pathus, confessor da rainha Margarida de Provença, que se utilizou do inquérito papal para a canonização de Luís, para escrever a sua “Vida”. Finalmente, outra obra sobre a vida de Luís foi escrita por Guilherme de Nangis, também confessor da rainha Margarida. As biografias de Luís, para além das intenções políticas que as permeiam, nos fornecem importantes informações sobre a vida, as opções, o modo de agir de um homem que, colocado à frente da administração política de um reino, buscou pautar sua vida segundo os valores do Evangelho e dos padrões propostos pela Igreja de seu tempo. E o fez de modo tão perfeito, que chegou à honra dos altares.

1. Um santo leigo!

Diferentemente dos santos de seu tempo, Luís é um santo leigo, e é casado. Isto não deixa de ser notado pela maioria de seus biógrafos: santo, apesar de ser leigo e casado! Humilde, piedoso, virtuoso, Luís, no entanto,  continua um leigo, não é um sacerdote. É, sobretudo, casado, pai de família, que não renuncia às obrigações e prazeres conjugais e à sexualidade, submetidos aos ditames da lei da Igreja, como os “dias de resguardo”. Luís vai ser pai de onze filhos, três dos quais nascem durante sua permanência no Egito. Sua mulher o acompanha na peregrinação. Sua biografia, a primeira vida de um santo escrita por um leigo, vai priorizar elementos que normalmente não se destacavam nas biografias, quase todas escritas por eclesiásticos e sobre clérigos: Jean de Joinville vai pôr em relevo, na vida de Luís, sua relação com a sexualidade, com a guerra e a política. É um rei que vai à guerra, que combate valorosamente, inclusive nas cruzadas, mas é, ao mesmo tempo, um rei de paz, que tudo faz para mantê-la, através dos tratados e negociações.

Isso não o impede de exercer bem suas funções em favor do povo. Coadjuvado em grande parte pela astúcia política de sua mãe, Branca de Castela, Luís conseguiu estabelecer a paz e a harmonia no reino. Isso foi conseguido após árduas batalhas, mas também através de hábeis negociações e uma série de tratados, onde não faltaram os matrimônios arranjados entre os irmãos do rei e as filhas da nobreza de reinos circunstantes, em função da pacificação e do fortalecimento dos laços do reino com outras potências. Outra frente de atuação de Luís foi a organização das finanças. Em política, Luís tentou instaurar um código de conduta especificamente cristão.

Gravemente doente: o voto da cruzada

Uma vez organizado e pacificado o reino, Luís organizou a sétima cruzada. Na origem desta expedição está a grave doença que o acometeu, em dezembro de 1244, e que o deixou praticamente à beira da morte. Num esforço extremo para recuperar a saúde, o rei fez a promessa de que, se ficasse curado, iria organizar uma cruzada. Depois de quatro anos de preparação, em junho de 1248, com sua mulher Margarida, e seus irmãos Carlos de Anjou, Afonso e Roberto de Artois, após receberem a bênção do papa Inocêncio IV, partiram para libertar o Santo Sepulcro. O reino ficou a cargo de sua mãe, Branca de Castela, que já dera provas suficientes de que teria condições de conduzi-lo na ausência do filho. Devido a uma série de reveses, incluindo tempestades que desviaram a frota, além de epidemias, os cruzados tomaram, em 08 de junho de 1249, a cidade de Damieta, no Egito. No caminho para o Cairo, deu-se a famosa batalha de Mansurá, onde perdeu a vida o irmão de Luís, Roberto de Artois. A disenteria e o escorbuto ajudaram a enfraquecer ainda mais a tropa. 

Luís e seus soldados foram feitos prisioneiros pelos muçulmanos. Sua mulher, Margarida, passou a comandar os cruzados. Após o pagamento de um vultuosa soma, Luís e seus soldados foram libertados depois de um mês de cativeiro, em maio de 1250. O rei e suas tropas passaram ainda quatro anos na Terra Santa, consolidando as fortalezas cristãs, conduzindo negociações entre cristãos e muçulmanos. Tendo recebido a notícia da morte da mãe, retornou à França, entrando em Paris em setembro de 1254.

A volta da cruzada, a saudade do Oriente: a morte às portas de Túnis

De volta da cruzada, entre 1254 a 1270, Luís continua desempenhando sua missão de monarca cristão. Se antes já exercia suas funções como rei exemplar, praticando a justiça e defendendo o direito, principalmente dos pobres, após o retorno do Oriente estas práticas se acentuam. Os estudiosos sublinham a mudança de comportamento após a volta da cruzada. A experiência frustrada deixou marcas profundas na alma de Luís. O rei justo, ético, modelo de cristão piedoso, passa a ser ainda mais cioso da prática da justiça, além de acentuar suas práticas de devoção e de piedade, e suas obras de caridade para com os pobres e os religiosos.

Desde que retornara da cruzada, o horizonte de vida de Luís passou a ser a Terra Santa. Em meio às funções que exigiam a administração do reino, o monarca deixava claro que não sossegaria enquanto não organizasse uma nova expedição à Terra Santa. A decisão foi anunciada a 25 de março de 1267. Em 04 de junho de 1270, Luís, seus filhos João Tristão e o herdeiro Filipe, além de vários nobres, partiram em direção a Túnis. Desembarcados às portas da cidade, uma forte epidemia de disenteria e febre ataca os cruzados. João Tristão morre a 03 de agosto. Depois de muito sofrimento, estendido sobre um leito de cinza em forma de cruz, Luís inicia sua definitiva viagem ao encontro daquele que tão ardentemente buscara nesta vida. Um longo processo iniciado logo após sua morte vai culminar com a canonização solene, sob o pontificado de Bonifácio VIII, em 1297. Sua festa foi fixada em 25 de agosto, dia de sua morte.

A espiritualidade que moveu São Luís de França

“Os contemporâneos do rei… praticamente não tinham como deixar de classificar esse soberano a não ser com a palavra santo – mas um santo excepcional, do mesmo modo que São Francisco o tinha sido como religioso, no início do mesmo século XIII”. Esta afirmação do ilustre medievalista francês nos fornece elementos para uma análise da espiritualidade que inspirou os gestos e decisões do monarca, a ponto de ter sido declarado santo pela Igreja. Um dado importante é o fato de que Luís já era considerado santo por seus contemporâneos. Mas era um santo com um endereço definido: um santo franciscano. Ora, de onde vem esta percepção? Para dar uma resposta, temos que nos debruçar brevemente sobre a espiritualidade cristã que dominava então o Ocidente à época de Luís.

2. Espiritualidade medieval: movimentos de contestação, franciscanos e dominicanos

Nos séculos XII e XIII, um dos principais motes dos movimentos de contestação, liderados por leigos, mas  também por clérigos, era a dura crítica que faziam à Igreja e seus membros, principalmente da hierarquia, por sua ligação com o “século”, o apego às riquezas, a luta pelo poder, seu distanciamento dos fiéis a quem deviam pastorear, a incapacidade de pregar, seja pelo mal preparo intelectual, ou pela acomodação em que viviam, ao mesmo tempo em que mantinham os fiéis distantes da Palavra de Deus[16]. A resposta a esta incapacidade dos membros da Igreja de proferir uma palavra evangélica de esperança e de coragem à imensa massa dos fiéis, foram os movimentos alternativos, protagonizados por leigos e clérigos. Nem sempre ortodoxos, propunham meios para o retorno ao Evangelho, através principalmente da pregação e de um exemplo de vida pobre e humilde, calcado na vivência do Evangelho “sine glosa” (ao pé da letra). Alguns destes movimentos descambaram para a heresia. Consolida-se, aos poucos, a certeza de que o caminho de santificação não é exclusivo de clérigos, monges e membros da hierarquia, mas que todos, inclusive homens e mulheres casados, sem renunciar ao seu estado, também podem encetar a “Sequela Christi”: seguir nu o Cristo nu.

Domingos de Gusmão, com os dominicanos, e Francisco de Assis, com os franciscanos, constituem, de um certo modo, o ponto de chegada de todo esse movimento de contestação. “Esses religiosos de um novo gênero, cujo rápido sucesso é extraordinário em toda a cristandade, vivem, diferentemente dos monges, entre os homens nas cidades, misturam-se estreitamente aos leigos e são os grandes difusores das práticas religiosas que renovam profundamente: a confissão, a crença no Purgatório, a pregação. Penetram nas consciências e nas casas, entram na intimidade das famílias e dos indivíduos. Praticam as virtudes fundamentais do cristianismo primitivo em uma sociedade nova: a pobreza, a humildade, a caridade”[17]. Diferentemente das instituições monásticas tradicionais, que vivem no isolamento de seus mosteiros, distante do “mundo”, o espaço urbano, com todas as suas contradições e perigos, é o lugar privilegiado de atuação dos frades. Não moram em “conventos”, mas em “locus”, casas simples, em meio às pessoas, que deveriam converter pelo exemplo de vida.

Tendo suas origens como movimento misto, onde não havia a distinção entre clérigos e leigos, logo são assimilados pela Igreja e passam a fazer parte da hierarquia e a servir aos seus projetos de poder. Mas a origem laica e o protagonismo dos leigos sempre esteve no horizonte do movimento, ao menos como ideal. O melhor exemplo disto é o próprio Francisco de Assis, que era leigo, sem provas conclusivas de que teria sido ordenado diácono. Além de criar uma instituição para receber mulheres (as Damas Pobres ou Clarissas), Francisco também iniciou a Ordem Terceira, para leigos, homens e mulheres, casados ou não, que não precisavam “abandonar o mundo”, mas poderiam se santificar permanecendo no seu estado de vida laica, em família. São Luís é leigo, e seu principal biógrafo também é leigo. A espiritualidade leiga que começa a avançar no século XIII, e a santidade, até então apanágio de clérigos e monges, passa a ser possível também aos leigos. Santificar-se vivendo o Evangelho em fraternidade, pobreza e penitência, praticado a caridade, anunciando, principalmente pelo exemplo de vida, a paz e o bem, eram os principais motes dos seguidores de Francisco de Assis. Luís se insere neste contexto.

2.São Luís e a espiritualidade mendicante

Na vida de São Luís, homem religioso e piedoso, os religiosos em geral ocupam um lugar de destaque. Mas entre estes, gozam de maior simpatia e familiaridade do rei aqueles que têm sua vida pautada por uma regra de mais estrita observância e radicalidade evangélica. A amizade que unia o rei e os beneditinos cistercienses era conhecida de todos. O rei construiu para os monges uma belíssima abadia, a de Royaumont, e para lá se dirigia com prazer, com toda sua família, onde se entretinha com os monges, como se fosse um deles, nas orações, ofícios, práticas devocionais e de caridade. Outro grupo religioso que ocupa um lugar central na vida de Luís são os mendicantes, especificamente dominicanos e franciscanos.

Quando Luís nasceu, o movimento franciscano estava nos seus inícios, dando os primeiros passos fora da Úmbria. Francisco de Assis tinha uma ligação sentimental com a França: sua paixão pela língua francesa provavelmente estava na origem de seu nome. Há indícios de que sua mãe fosse de origem francesa, e por isso era também chamada de “Provençal”. Nos inícios da Ordem, Francisco havia tentado viajar à França, mas foi impedido pelo cardeal Hugolino, que o aconselhou a ficar na Itália. Francisco enviou assim alguns frades. Frei Pacífico chega a Vézelay em 1217, e aí estabelece o primeiro convento franciscano em terras francesas, denominado “la Cordelle” (por causa da “corda” com os três nós que os frades usam). Em 1219, estão em Paris e em Saint Denis, onde serão conhecidos como “cordeliers”. Em 1223, estão em Lens, no Norte da França.

Luís é muito próximo dos franciscanos e dominicanos, e é a espiritualidade preconizada pelos mendicantes que vai inspirá-lo no exercício de seu governo enquanto leigo cristão. Os franciscanos, nas suas pregações nas cidades, são os maiores divulgadores desta espiritualidade nova, do Cristo vivo, encarnado, humano, humilde e sofredor, crucificado pelos pecados da humanidade. Uma espiritualidade cristológica, de um Cristo que se revela nos pobres, nos leprosos, nos abandonados. É, ao mesmo tempo, uma espiritualidade penitencial, de conversão pessoal e de reforma, de combate aos abusos da Igreja, uma espiritualidade da “sequela christi” (seguimento de Cristo), do seguimento da “Vita Apostolica” (da vida dos Apóstolos), que encontra eco nas almas mais sérias e sedentas de uma prática cristã original, propugnada e popularizada pelos pregadores dos movimentos heréticos.

Luís pratica todos os atos de devoção, então comuns e esperados dos reis cristãos piedosos: os ofícios litúrgicos, a frequência aos sacramentos (confissão, comunhão), o culto às relíquias, o respeito à Igreja e a sua hierarquia, as práticas penitenciais e ascéticas, e a prática da caridade, principalmente para com os pobres. Sua mãe foi a grande responsável por discipliná-lo, desde a mais tenra idade, no caminho da devoção e da piedade. “No centro de sua vida está a oração, como um sol que ilumina todas as horas do dia. À meia noite o rei se veste para dizer as matinas na capela; depois ele torna a se deitar, mas semi-vestido, para estar pronto para se levantar assim que soe a hora da prima… Após a prima, a cada manhã, ao menos duas missas; uma breve, para os mortos, a outra cantada, que é a missa do dia. Durante a Quaresma, ele assiste uma terceira… Durante a jornada, algumas horas canônicas não podem faltar. Mesmo quando o rei cavalga, ele é acompanhado de seu capelão, e as horas são ditas a cavalo”.

Mas para além desses gestos de devoção e piedade esperados de um rei, aos seus contemporâneos Luís aparece como um homem que foi além: ele foi um rei que imitou Cristo. A bula de canonização vai se referir a isso. Luís imita Cristo no sofrimento. No século XIII as ordens mendicantes popularizam a prática da piedade através das obras de misericórdia. Para Luís, fé e devoção conjugam-se com obras. Uma prática comprovada por vários de seus biógrafos é o gesto de lavar os pés aos pobres e aos monges. Em várias ocasiões Luís realiza este gesto, imitando a humildade de Cristo. Quando pode, aos sábados, lava os pés de alguns anciãos, às escondidas, para evitar críticas. Depois os beija, dá-lhes dinheiro e os serve, ele mesmo, à mesa. “Quando São Luís está com os pobres, os seus gestos parecem pôr-se ao seu nível e apresentam-se como mais verdadeiros”. O cuidado e o carinho com que Luís cuida dos pobres beira ao extremo: “E se entre esses pobres havia um cego ou alguém que via mal, o rei bendito colocava-lhe o pedaço de pão diretamente na mão com as suas próprias mãos, ou então guiava a mão do pobre até a tigela e ensinava-lhe como devia pôr a mão na tigela; e ainda mais, quando havia um que via mal ou estava impedido, e havia peixe diante dele, o rei bendito pegava no pedaço de peixe, tirava-lhe cuidadosamente as espinhas com as suas mãos, depois molhava-o no molho e punha-o na boca do doente”.

Vítima de vários males físicos, Luís se solidariza com os mais fracos. O rei se preocupa com os cegos, e para eles manda construir um hospital em Paris. Dá muitas esmolas aos pobres, principalmente aos leprosos, a quem cuidava carinhosamente, dava de comer, beijava-lhes a mão. Seus biógrafos destacam o fato de que ele se levantava muito cedo, sem fazer ruído, para ir à Igreja, para rezar, o que obrigava seus guardas a também se levantarem cedo, alguns tendo que se vestir correndo pelo caminho, para alcançar o rei. Quando os monges vão construir a abadia de Royaumont, Luís os ajuda a carregar pedras, e obriga seus irmãos a fazerem o mesmo, embora estes não o façam de bom grado.

Luís também obriga aqueles que o servem, sejam marinheiros ou soldados, a ouvirem longos sermões, e a participarem de ofícios religiosos. Para impedir que seus soldados almoçassem nas tavernas da cidade, lugares mal afamados, de jogos, bebida e mulheres, oferece-lhes o almoço no próprio local de serviço, no refeitório do palácio, sem cobrar por isso. Ao contrário, continuando dando aos soldados a ajuda de custo a que tinham direito para comer fora. Alguns o fazem a contragosto, pois comendo no palácio, seriam obrigados a ouvir sermões durante a refeição. Para Luís as tavernas eram tão perigosas quanto os bordéis.

Algumas destas práticas causavam transtornos no meio em que vivia o rei. Luís era consciente de que seu comportamento piedoso não agradava a todos, e suscitavam inúmeras críticas. Uma das mais comuns era o fato de gastar muito com esmolas e com a construção de edifícios religiosos. Era claro, para os medievais, burgueses e nobres que o cercavam, que Luís não podia ultrapassar o limite do rei para o de sacerdote.

Uma forte crítica vinha daqueles que consideravam Luís como um refém dos colaboradores e conselheiros religiosos, principalmente dos franciscanos e dominicanos. Um episódio contado por seu biógrafo franciscano Guillerme de Saint-Pathus, demonstra bem a sua proximidade com o clero. Diz-se que uma mulher o abordou na saída do parlamento, e teria exclamado: “Só és rei dos frades menores e dos pregadores, dos padres e dos clérigos!”. A reação de Luís, segundo seu biógrafo, foi de calma. Concordou com a mulher, e disse que ela tinha razão, e que outro governaria melhor o reino. E pediu a seus soldados que dessem dinheiro a ela. O fato em si demonstra o quanto Luís prezava a companhia do clero, e como isso não era bem visto por alguns setores da sociedade.

 Sua devoção à Paixão

A posse de relíquias era prática comum na Idade Média. Devoção, prestígio, necessidade de proteção eram elementos que se misturavam na procura por relíquias cada vez mais preciosas. Luís tinha um apreço especial pelas relíquias da paixão de Jesus. Prova disso é um acontecimento envolvendo a relíquia do cravo de Jesus. Em 1232, quando a relíquia foi exposta para veneração dos fiéis na catedral de Saint Denis, acabou caindo do relicário e desapareceu. Seguiu-se uma comoção em todo o reino. Guilherme de Nagis relata o sentimento do rei e sua mãe: “O santo rei Luís e a rainha sua mãe, quando souberam da perda desse altíssimo tesouro e o que tinha acontecido ao santo cravo sob seu reinado, sentiram grande dor e disseram que notícia mais cruel não podia ter sido levada a eles nem lhes fizesse sofrer mais cruelmente”. Esta devoção era testemunhada publicamente na Sexta-Feira Santa: “A sua devoção à Cruz, especialmente na Sexta-Feira Santa, tem como momento forte a visita das igrejas ‘próximas do lugar onde se encontrava’: ia lá ‘descalço’, e depois, para a adoração da cruz, tirava o chapéu e a touca e avançava, de cabeça descoberta de joelhos, até à cruz, ‘beijava-a’, e por fim ‘punha-se inclinado para o chão com os braços abertos, como na cruz, durante todo o tempo em que a beijava, e diz-se que enquanto fazia isto chorava’”.

Nada, porém, supera o esforço para conseguir duas das relíquias mais preciosas para a cristandade: a coroa de espinhos de Jesus e o lenho da Santa Cruz. Luís adquire a coroa do Imperador de Constantinopla, Balduíno. Quando a coroa entra em território francês, em 1239, depois de uma longa viagem desde Constantinopla, o rei e seus irmãos vão ao seu encontro. Carregam o relicário às costas, em procissão, vestidos de túnica branca e descalços, em sinal de humildade e penitência. Os nobres também se associam aos príncipes, participando descalços da procissão. Seguem-se a aquisição do lenho da Cruz e de outras relíquias da Paixão, como a esponja e o ferro da santa lança. Para guardar as relíquias, Luís construiu um dos maiores tesouros da arte gótica: a Saint-Chapelle, capela privada do rei. A estas relíquias preciosas soma-se o travesseiro de São Francisco, enviado ao rei pelos frades de Assis, quando de sua coroação, em 1226.

O movimento cruzado tem sua legitimação nesta devoção às relíquias: as terras onde Cristo nasceu, viveu e morreu, estão em mãos infiéis, de pecadores. Jerusalém, a maior relíquia da cristandade, precisa ser libertada.

 Um rei paciente no sofrimento

Luís é um rei que, como cristão exemplar, suporta pacientemente os sofrimentos. E não são poucos. Ainda jovem, aos 28 anos, após a guerra contra os ingleses, começa a sofrer de febre terçã (uma espécie de malária). Em 1244, sofre com uma diarreia tão grave, que chegam a considerá-lo morto. Nesta ocasião faz o voto de partir em cruzada. As doenças o perseguem, sejam as crônicas, como a febre ocasionada pelo paludismo, sejam outras que surgem em várias ocasiões: erisipela, diarreia, escorbuto. Mas todos testemunham a paciência do rei frente aos sofrimentos. Joinville testemunhou os sofrimentos do rei durante a sétima cruzada. Segundo ele, o rei, quando prisioneiro dos muçulmanos, sofria de grave infecção intestinal. Estava muito pálido, “com os ossos da coluna todos tão pontudos e tão fraco que era preciso que um homem de sua criadagem o levasse para todas as suas necessidades… À noite desmaiou por várias vezes; e, por causa da forte disenteria que tinha, foi preciso cortar o fundilho de suas  ceroulas, tantas vezes ele descia para ir ao banheiro”. Na partida para a oitava cruzada, o rei estava tão fraco que provocou a indignação de seu amigo Joinville, com aqueles que o deixaram partir naquele estado. O rei mal podia caminhar, pela fraqueza: “ele não podia aguentar ir nem de carroça nem a cavalo. Sua fraqueza era tão grande que ele se resignou que eu o carregasse…”. Sua morte será causada pelo tifo. Mas Luís não é um rei triste. Le Goff afirma: “Talvez nisso também haja um traço de espiritualidade franciscana”.

Luís e o combate aos inimigos da Igreja

Uma das mais sérias ameaças à fé cristã na passagem do século XII para o século XIII foi a heresia cátara. Por ter seu centro principalmente na região de Albi, no sul da França, eram também chamados de Albigenses.  No auge do reinado de Luís, após o duro combate da Igreja, inclusive com a pregação de Santo Antônio e outros grandes nomes das Ordens mendicantes, a heresia cátara havia se enfraquecido, mas permanecia como uma ameaça. Luís, fiel aos ditames do IV Concílio do Latrão (1215), que determinava que os soberanos cristãos dessem combate à heresia, recomenda ao filho nos seus ensinamentos: “Persiga os hereges e as pessoas ruins de tua terra tanto quanto possas, pedindo como é necessário o sábio conselho das pessoas boas a fim de purgar assim a terra”. Na concepção medieval de colaboração entre Igreja e Estado, o soberano é o defensor da fé e a realeza é o braço secular da Igreja, que deve “caçar” e combater os hereges.

Em relação aos muçulmanos, o fato de se empenhar na realização de duas cruzadas exemplifica bem o quanto esta atividade era importante para Luís. Os muçulmanos eram, sobretudo, os infiéis, e deveriam ser convertidos. De um rei piedoso cristão, o mínimo que se esperava é que se empenhasse na defesa da fé frente ao islã. No entanto, em que pese a violência das cruzadas, em vários momentos, especificamente da primeira, Luís entra em diálogo com os muçulmanos. Algumas fontes afirmam que, durante sua prisão, surgiu um afeto e respeito mútuo entre o rei e o sultão que o mantinha prisioneiro. Outros autores relatam que os muçulmanos teriam pedido a Luís que se tornasse seu chefe. O biógrafo Godofredo de Beualieu, testemunha ocular da morte do rei, revela que, no momento extremo de sua agonia, umas das últimas palavras balbuciadas pelo rei foram de preocupação com a conversão dos muçulmanos: “tentemos, pelo amor de Deus, pregar e implantar a fé católica em Tunis. Òh como poderíamos enviar um pregador capaz a Tunis”, e teria citado um pregador que já havia pregado em Tunis, e se tornara conhecido do sultão.
A relação de Luís com os judeus é mais complexa. Antes de mais nada, não podemos julgar as relações entre cristãos e judeus na Idade Média a partir dos parâmetros contemporâneos de ecumenismo e tolerância, que são conquistas modernas. Luís age como os soberanos cristãos de seu tempo. Os judeus, embora sejam uma verdadeira religião, são considerados os “assassinos de Cristo”. Luís tomou medidas severas contra os mesmos, visando a “purificação do reino”, mas ao mesmo tempo os protegeu do abuso de extremistas. Também promoveu a conversão de vários deles, e foi padrinho de alguns judeus convertidos.

Outro perigo que rondava o Ocidente medieval era a ameaça tártara, representada pelos mongóis. Luís acalentava o sonho de aliar-se a eles para combater os muçulmanos. Depois de algumas expedições fracassadas, enviadas pelo papa, Luís enviou o dominicano André de Longjumeau, que também não obteve sucesso. Por fim, em 1253, foi enviado o franciscano Guilherme de Roubroek, que se aventurou até a Mongólia, ao Grande Khan, em Karakorum, no coração do reino mongol. Apesar da valiosa relação que o franciscano fez da vida e dos costumes mongóis, o resultado desta missão também foi efêmero. Finalmente, em 1264, uma embaixada de 24 mongóis, tendo à frente dois frades dominicanos como intérpretes, se apresentou em Paris, propondo ao rei uma aliança contra os muçulmanos da Síria. Também esta tentativa de aliança não frutificou.

O franciscanismo reformador de Luís de França

A proximidade de Luís com os franciscanos e dominicanos é-nos atestada por uma anedota, transmitida por seus biógrafos: “Godofredo de Beaulieu e Saint-Pathus afirmam que Luís quisera fazer-se dominicano ou franciscano, mas não soube decidir-se sobre as duas ordens, e a rainha Margarida (sua esposa) à qual teria manifestado a sua intenção de deixá-la para entrar no convento na altura em que fosse possível transmitir a coroa ao filho maior, tê-lo-ia dissuadido de tal propósito”. Embora contestado pelos historiadores modernos, este fato, relatado pelos biógrafos contemporâneos ao santo testemunham a proximidade de Luís, senão a simpatia de que gozavam diante dele os franciscanos e dominicanos. Mais séria é, no entanto, a afirmação de que ele teria desejado que seu segundo e terceiro filhos se tornassem frades, um dominicano, outro franciscano. Por outro lado, como já acenamos, os biógrafos são concordes sobre a crítica que se fazia no reino, à imagem de um rei manipulado pelos mendicantes, sendo ele mesmo, quase um frade sobre o trono.

O pesquisador Jean-Philippe Genet afirma que os dominicanos exerceram uma influência fundamental sobre o pensamento político de São Luís. A ideia de um rei como padrão de comportamento moral, um rei com a virtude da sabedoria, teria sido construída e seguida por Luís, seguindo os ditames dos sábios teólogos e filósofos dominicanos que dominavam a universidade de Paris, nos anos 1250-1280. Apesar de Le Goff afirmar que as  elocubrações filosófico-teológicas que fervilhavam na universidade de Paris não interessavam a Luís, o fato é que Luís se cercou de grandes nomes da intelectualidade de seu tempo, pensadores, filósofos e teólogos, principalmente franciscanos e dominicanos, que colaboraram na administração e ajudaram a dar uma determinada direção política ao reino. Le Goff afirma que havia em Paris “uma ‘academia política’ de São Luís cujo coração era o convento dos jacobinos, o célebre convento de Saint-Jacques dos dominicanos parisienses”. Vicente de Beauvais, dominicano, autor do Speculum Maius, a principal enciclopédia utilizada na Idade Média, era um de seus mais próximos colaboradores.

Podemos afirmar que dominicanos e franciscanos rivalizavam no papel de conselheiros do rei. Da parte dos franciscanos, porém, graças às pesquisas dos últimos anos, sabemos que Luís tinha um apreço particular pelos frades empenhados numa vivência mais radical dos ditames do Evangelho, que chegavam quase a se constituir uma “seita” dentro da Ordem franciscana. Referimo-nos, aqui, à proximidade de Luís com o movimento dos “Espirituais”. E nesse particular, um encontro vai causar profunda impressão no rei da França.

3. O encontro com frei Hugo de Digne

Em 1254, voltando do Oriente derrotado, após a morte da mãe, Luís ouve falar de frei Hugo de Digne, um frade franciscano da corrente dos espirituais, defensor das ideias de Joaquim de Fiore. Frei Hugo era um grande pregador, que arrebatava multidões. Em Hyères, Luís pediu para trazerem o frade à sua presença, pois queria ouvi-lo pregar. Ficou tão maravilhado que queria, a todo custo, que o frade se juntasse a seu séquito que retornava para Paris. Hugo se negou peremptoriamente. Acabou ficando apenas dois dias com Luís, mas este encontro marcou, a partir de então, a vida e o governo do rei. Hugo, segundo as palavras do biógrafo de Luís, Joinville, exortou ao rei que este “deveria se conduzir de acordo com seu povo”. No fim do sermão o frade afirmou que nunca tinha lido que um reino ou domínio se tivesse perdido ou passado a um outro senhor, “a não ser por vício de justiça”. E terminou: “Ora, que atente o rei, continuou, uma vez que vai para a França, que faça tanta justiça a seu povo que o povo assim conserve o amor de Deus, de tal maneira que Deus não lhe tire o reino de França com a vida”.

Depois de 1254, Luís assumiu um comportamento sempre mais austero. No dizer de seus biógrafos, passou “da simplicidade, à austeridade”. E este espírito passou à atuação política. Um sinal claro desta orientação foi a chamada “Grande Ordenação”, de dezembro de 1254. Trata-se de uma série de determinações legais que objetivavam reformar profundamente o governo do reino. Entre elas, destacam-se aquelas visando uma moralização da administração pública, para um governo justo (ético e não corrupto, diríamos hoje). Os oficiais do reino deveriam fazer justiça sem fazer distinção de pessoas. Não deveriam aceitar presentes, nem para suas mulheres ou filhos. Também em relação aos costumes e à moral eram promulgadas medidas severas: contra a blasfêmia, contra os jogos, contra a prostituição, contra a usura. No espírito da época, são emanadas também leis contra os judeus.

 Outros franciscanos influentes no “entourage” de Luís

O encontro e as palavras proféticas de Hugo de Digne certamente impressionaram profundamente o espírito de Luís, educado desde criança num ambiente de piedade, que favorecia uma mística religiosa e devocional, de busca de realizar, na terra, o reino de Deus. Mas já antes deste encontro o rei mantinha, em sua “entourage”, além dos dominicanos, religiosos franciscanos empenhados com a seriedade da reforma dos costumes. Um dos franciscanos mais próximos de Luís é o mestre da Universidade de Paris, Eudes de Rigaud.
Eudes era mestre regente do convento de Paris e mestre de teologia na universidade daquela cidade. Foi o sucessor de Jean de la Rochelle e de Alexandre de Hales, e foi mestre de São Boaventura. Eudes é um dos “Quatro Mestres”, que redigiram o comentário oficial da Regra franciscana, em 1242. Em 1248 foi nomeado arcebispo da diocese de Rouen, a mais importante da França, mas continuou fazendo parte do círculo dos amigos do rei, sendo um dos frades franciscanos mais íntimos de Luís: “Seu mais próximo conselheiro e amigo”, nas palavras de Le Goff.

Em 1255 ele celebrou o casamento da filha de Luís, Isabel. A partir de 1258 Eudes se encontra frequentemente na corte. Em novembro de 1258 presidiu a missa no aniversário de morte de Luís VIII, pai do rei. Os documentos testemunham vários encontros do rei com o arcebispo franciscano, em 1259 e 1260, quando da morte de seu herdeiro, o primogênito Luís. Em 1261 ele foi convidado a pregar na Saint-Chapelle. Sabe-se que, quando o rei estava na abadia de Royalmont, pedia que Eudes presidisse a celebração, como na festa de  Pentecostes de 1262. A presença de Eudes na corte se justifica também pelas missões diplomáticas que o rei lhe confiara, como o tratado entre a França e a Inglaterra, em 1259. Em 1264 Eudes tornou-se membro do Parlamento de Paris.

Destaque-se, no comportamento do arcebispo franciscano, seu espírito reformador e de combate aos abusos no clero regular e secular. Visitando incansavelmente todos os mosteiros, abadias e conventos masculinos e femininos de sua arquidiocese, Eudes conseguiu dar uma nova imagem à Igreja. Seus escritos somam mais de mil páginas, consistindo hoje num documento de valor inestimável para conhecermos a realidade da Igreja em uma região da França, no século XIII. Antes de morrer, Luís o designou um de seus executores testamentários. Eudes também tornou-se membro do Conselho de Regência encarregado de governar a França, sendo o primeiro membro  nomeado pelo rei Felipe III, sucessor de Luís, quando ainda se encontrava em Cartago, em outubro de 1270.

Ainda no campo intelectual, outro mestre franciscano de Paris muito próximo do rei é Gilberto de Tournai. Das poucas informações que nos chegaram sobre ele, sabemos que era mestre de teologia em Paris, amigo de São Boaventura e de Luís, e pregador de cruzadas. Escreveu várias obras de cunho pedagógico. Algumas dessas obras nasceram da amizade com o rei, como a Eruditio Regum et Principum (Educação dos reis e dos príncipes), uma coleção de três cartas escritas em 1259, endereçadas a Luís, versando sobre os princípios necessários ao bom governo dos príncipes. Depois de 1261, Gilberto abandonou a cátedra para viver uma vida de oração e contemplação. A pedido de Boaventura, participou do 2º. Concílio de Lião, em 1274, onde teria apresentado sua obra De Scandalis Ecclesiae.
Boaventura de Bagnoregio era um dos maiores pregadores da época, mestre da universidade de Paris até 1257, quando foi eleito Ministro Geral dos Franciscanos, também era admirado por Luís, que o convidava para pregar em sua presença. Boaventura pregou pelo menos dezenove vezes diante do rei.

A proximidade e intimidade entre Luís e os franciscanos mostra-se numa querela séria, que estourou na Universidade de Paris. Entre 1254 e 1257, alguns mestres seculares colocaram em questão o estilo de vida dos mendicantes, uma novidade que, segundo eles, ia contra o Direito Canônico, especificamente por causa do princípio mendicante e do ensino universitário e da pregação. O chefe dos seculares era Guilherme de Saint-Amour. Depois de uma acirrada polêmica, com a intervenção dos maiores mestres da época, Boaventura e Tomás de Aquino, entre outros, a Santa Sé reconheceu, por duas vezes, o direito dos frades. O rei Luís executou imediatamente as ordens em favor dos frades. Obrigou Saint-Amour a entregar seus cargos e benefícios, proibiu-o de pregar e ensinar, e o exilou da França.

Um encontro de Luís com os frades

Frei Salimbene de Parma, cronista medieval, é o responsável pela descrição de um dos mais belos quadros de convivência do rei Luís com os franciscanos. Salimbene viajou a Sens, na França, para participar do Capítulo Geral. Além das autoridades da Ordem, como o Ministro Geral João de Parma, chega ao local o rei da França, dirigindo-se em peregrinação para a cruzada. Salimbene descreve a cena da chegada do rei. Povo e religiosos se aglomeram à espera da chegada do rei. Em meio à multidão, perdido, porque se atrasara e os outros frades já tinham ido ao encontro do rei, encontra-se o franciscano Eudes de Rigaud, arcebispo de Rouen, que, mitra na cabeça e cajado à mão, gritava: “Onde está o rei? Onde está o rei?”. Salimbene passa a descrever o rei: “O rei era esbelto e delicado, magro e alto, tendo um rosto angelical e face simpática. E vinha à igreja dos Frades menores não na pompa régia, mas no hábito de peregrino, tendo uma sacola e bordão de peregrinação ao pescoço que decoravam muito bem as espáduas do rei. E vinha não a cavalo, mas a pé; e os seus irmãos de sangue, que eram três condes, […] seguiam-no em semelhante humildade e hábito. […] Na verdade, parecia mais um monge, quanto à devoção do coração, do que um cavaleiro, quanto às armas de guerra. E assim, entrando na igreja dos irmãos, tendo feito a genuflexão mui devotamente diante do altar, rezou. […] Em seguida, o rei disse, com voz bem clara que ninguém entrasse na sala do Capítulo, a não ser os cavaleiros, exceto os irmãos, aos quais ele queria falar. E quando estávamos reunidos no Capítulo, o rei começou a relatar seus atos, recomendando-se a si mesmo, aos irmãos e a rainha sua mãe, e toda sua comitiva; e, fazendo genuflexão com muita devoção, pediu as orações e os sufrágios dos irmãos”.

Frei João de Parma tomou a palavra e prometeu as orações da Ordem, devendo cada padre celebrar quatro missas pelo rei. Após o encontro, seguiu-se um lauto banquete, tudo às expensas do rei. Frei João de Parma, embora tendo lugar reservado ao lado do rei, preferiu sentar-se com os mais pobres.
No dia seguinte o rei retomou seu caminho em direção ao porto que o levaria para a Terra Santa. Mas ainda faria vários desvios, para visitar os eremitérios franciscanos pelo caminho, onde se punha em oração. De novo é frei Salimbene quem nos descreve uma destas visitas. Em Vézelay, no dia 21 de junho de 1248, o rei e seus três irmãos dirigiram-se ao convento dos frades, modesto e recém-construído. Entraram na igreja e, embora os frades lhes oferecessem bancos e cadeiras, o rei se senta no chão, na poeira, já que o piso da igreja ainda não estava pavimentado. Sentados todos no chão, em círculo em volta do rei, este lhes dirige a palavra e se recomenda às suas orações.

Conclusão

A infância do príncipe Luís foi marcada pela presença dos primeiros franciscanos que chegaram à França. Religiosos austeros, piedosos, penitentes, mas ao mesmo tempo plenamente inseridos nos centros urbanos que surgiam, cientes de suas labutas e ambiguidades cotidianas, seja na política, seja no mundo acadêmico ou eclesiástico-religioso.
Franciscanos e dominicanos influenciaram o modo de Luís impostar a política na França. Ambas as Ordens contavam com homens preparados, intelectuais e pensadores que dominavam as cátedras na universidade de Paris. Da parte especificamente franciscana, é interessante notar que Luís se cerca daqueles frades imbuídos de uma nova visão do modo de ser religioso e de impostar as relações com o mundo. O empenho nas reformas, a radicalidade de vida, o combate aos abusos, a visão alegórica, apocalíptica e milenarista, prospectando um mundo diferente, transformado pela radicalidade evangélica, marcam a vida destes homens. Mas não são monges, isolados nos eremitérios e mosteiros, distantes e alheios aos problemas humanos. Ao contrário, são religiosos empenhados em buscar respostas às grandes questões e desafios que aquele momento e aquela sociedade lhes propõem, vivenciando-as e conhecendo-as a partir de dentro. Le Goff afirma que “São Luís… entre os franciscanos estava inclinado a seguir os joaquimitas: mas ele se cerca daqueles que se impõem por sua influência na sociedade da segunda metade do século XIII, quer dizer, pessoas da Igreja que buscam antes de tudo achar um modus vivendi entre as novas seduções da vida, o desenvolvimento de uma economia de troca e empréstimo, e as necessidades da salvação. Pessoas partidárias tanto do compromisso religioso como do compromisso social, de uma evangelização da sociedade nova equilibrando o admissível e o inaceitável”.

Os franciscanos correspondem muito bem a esse novo modus vivendi: são homens de uma piedade e seriedade religiosa a toda prova, fautores da pobreza e da simplicidade, vivem nas cidades, e estão nos grandes centros de estudos, discutindo em pé de igualdade com os maiores pensadores de seu tempo, dando respostas pertinentes e eficazes aos desafios dos novos tempos. São homens que entendem as necessidades, a linguagem e os desafios das cidades. Encontram-se, com a mesma desenvoltura, nos mais simples e humildes tugúrios ou nos palácios e parlamentos dos reis. Homens preparados e capazes de corresponder às exigências dos espíritos mais sérios e preocupados em impostar uma política de governo que correspondesse aos desígnios de Deus. Mas, ao mesmo tempo, capazes de guiar os espíritos humanos nas árduas batalhas espirituais travadas dia a dia na busca da salvação da própria alma. Com os discípulos de Francisco de Assis, Luís de França aprendeu a cuidar bem da cidade dos homens, sem perder de vista a Cidade de Deus.

Na peregrinação em busca da salvação, a exemplo de Francisco de Assis, Luís seguiu os passos do Cristo da Paixão. Através da penitência, do sacrifício e da caridade para com o próximo, os pequenos e pobres, conseguiu atingir a meta. Na decisão de partir para a segunda cruzada, doente e enfraquecido, estava a certeza de que a derrota da primeira fora causada por sua culpa, por causa de seus pecados. Assim, a cruzada revela-se como uma via purgativa, de salvação e de conformação com o Cristo pobre e sofredor. A morte na cruzada é a conclusão ideal de sua vida.

As palavras dirigidas ao filho no seu Testamento Espiritual representam o ponto de chegada de uma vida pautada pela busca do bem comum, e pelo empenho pela própria salvação, seguindo as pegadas de Cristo: “Filho dileto, começo por querer ensinar-te a amar ao Senhor, teu Deus, com todo coração, com todas as forças, pois sem isto não há salvação… Guarda, meu filho, um coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos e, quanto puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos os benefícios que te foram dados por Deus, rende-lhe graças para te tornares digno de receber maiores. Em relação a teus súbditos, sê justo até o extremo da justiça, sem te desviares; e põe-te sempre de preferência  da parte do pobre mais do que do rico, até estares bem certo da verdade. Procura com empenho que todos os teus súditos sejam protegidos pela justiça e pela paz, principalmente as pessoas eclesiásticas e religiosas. Sê dedicado e obediente a nossa mãe, a Igreja Romana, ao Sumo Pontífice, como pai espiritual. Esforça-te por remover de teu país todo pecado, sobretudo o de blasfêmia e heresia. Ó filho muito amado, dou-te, enfim toda bênção que um pai pode dar ao filho e toda Trindade e todos os santos te guardem do mal. Que o Senhor te conceda a graça de fazer sua vontade de forma a ser servido e honrado por ti. E assim, depois desta vida, iremos juntos vê-lo, amá-lo e louvá-lo sem fim. Amém”.

Santo Franciscano do dia - 25/08 - São Luís IX, Rei da França - Padroeiro da OFS


Rei da França. Protetor da Ordem Terceira (1215-1270). Canonizado por Bonifácio VIII no dia 11 de agosto de 1297. 

Luís IX, rei da França nasceu aos 25 de abril de 1215. Foi educado rigidamente por sua mãe Branca de Castela e por ela encaminhado à santidade. Começou a ser rei da França em 1226. Casado com Margarida de Provença, ele impôs-se por toda vida exercício diário de piedade e penitência em meio de uma corte elegante e pomposa. Viveu na corte como o mais rígido monastério e tomou a todo o país como campo de sua inesgotável caridade. Quando o qualificavam de demasiado liberal com os pobres, respondia: “prefiro que meus gastos excessivos estejam constituídos por luminoso amor de Deus, e não por luxos para a vã glória do mundo”.

Sensível e justo, concedia audiência a todos debaixo do célebre bosque de Vincennes. Admirava-lhes sua serena justiça, objetiva supremo de seu reinado. A seu primogênito e herdeiro lhe disse uma vez: “preferiria que um escocês viesse da Escócia e governasse o reino bem e com lealdade, e não que tu meu filho, o governasse mal”. Toda sua vida sonhou em poder liberar a Terra Santa das mãos dos turcos. Por uma primeira cruzada promovida por ele terminou em fracasso. O exército cristão foi derrotado e dizimado pela peste. O rei caiu prisioneiro, precisamente a prisão de Luís IX foi o único resultado da expedição. As virtudes do rei impressionaram profundamente os muçulmanos, que o apontaram “o sultão justo”.

Em uma segunda expedição ao oriente, ele mesmo morreu de tifo em 1270. Antes de expirar mandou dizer ao Sultão de Túnez: “Estou resoluto a passar toda minha vida de prisioneiro dos sarracenos sem voltar a ver a luz, contanto que tu e teu povo possais fazer-se cristãos”.
Os terceiros franciscanos festejam neste dia 25 de agosto a seu patrono, São Luís, rei da França, ilustre coirmão na terceira Ordem da penitência. Foi sua mãe Branca de Castela que o encaminhou à santidade.

 Foi um terceiro franciscano que teve de Deus o encargo de exercitar a caridade em terras da França. Na história da França se recorda como um soberano sapientíssimo e também enérgico. O vemos praticar todas as obras de misericórdia convencional, traduz sua fé em ação e buscou no solo viver, e também governar segundo os preceitos da religião. São Luís IX, rei da França, morreu em 25 de agosto com a idade de 55 anos.

Os cruzados voltaram para a França trazendo o corpo do rei Luís IX, que já tinha fama e odor de santidade. O seu túmulo tornou-se um local de intensa peregrinação, onde vários milagres foram observados. Assim, em 1297 o papa Bonifácio VIII declarou santo Luís IX, rei da França, mantendo o culto já existente no dia de sua morte.