sexta-feira, 31 de março de 2017

Francisco e o Evangelho que queimava.



Em seu itinerário de querer encontrar o Senhor,  Francisco, o Poverello, vai ser um buscador da fé, da luminosidade da fé. É como se ele estivesse buscando um poço no deserto, como que remexendo a terra para encontrar um tesouro.  Nunca se esquecerá desses começos e daqueles que com ele estavam. Não se esquecerá esta primeira etapa de sua vida na busca do evangelho que costuma dilacerar.  Era como um homem acocorado e que agora se levantava e tinha vontade de dançar.

Como acolher a gratuidade dos dons de Deus sem, ao mesmo tempo, deixar cair por terras nossas pseudo-riquezas?  Nossas ideias feitas, nossas teimosias, nossos cacarecos.  Os primeiros da  mudança de Francisco foram decisivos. O Evangelho não era alguma coisa sonolenta.  Segundo  Michel Hubaut  era como o bisturi de um cirurgião. A homilia de domingo que ele escutava meio sonolentamente foi se convertendo num evangelho de fogo.  O contrário do medo é a fé. Ter a coragem de tudo arriscar. 

Renunciar ao desejo de manejar ou manipular a própria vida, de se abandonar nas mãos do Senhor  para acolher o seu projeto a nosso respeito.  Nada se compreende da mudança se Francisco se não se entende que foi precisamente o desejo de abrir-se ao desejo de Deus.

“Nada, pois, desejemos, nada queiramos, nada nos agrade e deleite, a não ser nosso Criador e Redentor e Salvador, verdadeiro  e único Deus, que é todo o bem… Portanto, nada nos impeça, nada nos afaste, nada nos estorve. Em todo lugar, em toda hora, em todo o tempo… creiamos, abracemos e amemos e honremos, adoremos, sirvamos, bendigamos e louvemos, engrandeçamos e rendamos graças ao Altíssimo, sumo e eterno Deus… deleitável…desejável pelos séculos dos séculos” (Regra não bulada, 23).

Frei Almir Ribeiro Guimarães

Extraído de:  http://www.franciscanos.org.br/

quinta-feira, 30 de março de 2017

Quaresma, tempo de conversão



Frei Almir Guimarães, OFM

Converter-se é acolher na fé a iniciativa gratuita, imprevisível de Deus que decidiu em Jesus  visitar-nos em pessoa para nos salvar, ou seja,  fazer-nos entrar numa felicidade sem fim.

Converter-se é mudar a direção da vida , é ter força e fé para deixar de ser o centro absoluto de tudo e alguém autossuficiente.  Converter-se é aceitar, de fato, seguir a Jesus. Converter-se é tornar-se discípulo de Jesus e não mestre de si mesmo.

Converter-se não é, antes de tudo, passar do vício para a virtude, mas antes viver interior e exteriormente uma mudança radical. É tomar a decisão de empreender a aventura da vida com outros e com o Outro. Não querer fazer “suas coisas” a ferro e fogo.  Não consiste numa ginástica espiritual. É, antes de tudo, acolhida da iniciativa de Deus.

Conversão e fé caminham juntas. Por isso a conversão é difícil. Demanda morte a si, Páscoa do eu humano. A conversão é combate à semelhança da luta de Jacó com o anjo.

Converter é aceitar que nossos projetos sejam desarrumados por Alguém. É fazer morrer ideias-feitas que temos a respeito de Deus, morrer às nossas ilusões. Não é o homem que busca a Deus, mas Deus que busca o homem. “Adão, onde estás?”

Assim escreve Michel Hubaut a respeito da fé-conversão de São Francisco de Assis:  “Ao longo de sua vida, Francisco cultivará  uma  fé acesa, vigilante, disponível ao chamado do Senhor e ao seu Espírito.  Ter fé significa liberar  nossas fontes interiores: escutar a Deus, buscar o Senhor, deixar-se amar e modelar por  Deus;  mesmo na noite deixar-se  conduzir pela esperança que teve  seu rosto em Jesus;  despertar-nos de nosso torpor espiritual. Francisco tem esse projeto evangélico. Descobre que  Deus é  dinamismo de amor , que não ameaça nossa liberdade, mas nos estrutura e nos constrói, levando-nos à plena realização”.

Inspirado em Michel Hubaut
Chemins d’intériorité avec saint  François
Éditions Franciscaines, Paris, p. 24-26

quarta-feira, 29 de março de 2017

Artigo - Francisco de Assis e a alegria espiritual.



POR FREI VITÓRIO MAZZUCO FILHO

Na segunda vida de Tomás de Celano temos o relato: “Este santo afirmava que o remédio mais seguro contra as mil insídias e astúcias do inimigo é a alegria espiritual (...) O demônio exulta, acima de tudo, quando pode surrupiar ao servo de Deus a alegria do espírito. Ele leva um pó que possa jogar, o mais possível, nas pequenas frestas da consciência e sujar a candura da mente e a pureza da vida. Mas, quando a alegria espiritual enche os corações, em vão a serpente derrama o veneno letal (...) Quando, porém, o espírito está choroso, desolado e tristonho, é facilmente absorvido pela tristeza ou levado a alegrias vãs. Por conseguinte, o santo esforçava-se por manter-se sempre na alegria do coração, por conservar a unção do espírito e o óleo da alegria. Com o máximo cuidado evitava a péssima doença da tristeza, de modo que, quando a sentia a penetrar na mente, ainda que um pouquinho, corria o mais depressa possível à oração” (2Cel 125).

Numa marchinha de carnaval antiga, pedia-se que o guarda colocasse para fora do salão quem jogasse pós de mico na alegria dos outros. O demônio, isto é, a contrariedade da vida, a encarnação do espírito do mal em alguns detalhes da vida, gosta de sujar a serenidade. Nós gostamos de jogar o pó da negatividade na fluência natural da vida. Levantamos com notícias tristes e trágicas e deixamos que elas sejam a opaca lente de nosso olhar. No café da manhã trocamos receitas de psicotrópicos; almoçamos fazendo uma atualização das mortes acontecidas; jantamos notícias de uma cidade alerta contra um onipresente perigo. Vemos o mal no porteiro, na cuidadora, no rapaz que veio instalar a Net, no cachorro da vizinha e em todas as comidas que saboreamos porque acreditamos que tudo faz mal! Se damos espaço a isso sufocamos a alegria espiritual.

Francisco nos ensina que diante da doença, da tristeza, possamos correr o mais depressa possível à oração. Dividir preocupações de um modo orante é o salmo da cura em meio a tormentos. Almas que rezam têm a serena alegria dos que confiam. Na oração do salmista tem sempre uma saída para as tristezas do mundo. Alegria vã é alegria vazia. Os vãos são espaços vazios que precisam ser preenchidos. Que tal encher o vazio com preces?

Extraído de: http://carismafranciscano.blogspot.com.br/

Imagem do artista plástico carioca Vagner Aniceto http://www.vagneraniceto.com.br/

terça-feira, 28 de março de 2017

Franciscana do dia - Bem-aventurada Joana Maria de Maillé



Relutante em casar aos 16 anos, viúva com um pouco mais de 30, expulsa de casa pelos parentes do marido, nos restantes 50 anos de sua vida foi obrigada a viver sem abrigo. Tantos percalços estão concentrados na vida da Beata Joana Maria de Maillé que nasceu rica e mimada no Castelo de La Roche, perto de Saint-Quentin, Touraine, em 14 de abril de 1331. Seus pais eram o Barão de Maillé Hardoin e Joana, filha dos Duques de Montbazon.

Sua família se destacava pela devoção. Ela cresceu sob a orientação espiritual de um franciscano, mostrando uma particular devoção a Maria. Dedicava-se a orações prolongadas e fez precocemente o voto de virgindade. Aos onze anos, no dia de Natal, pela primeira vez teve um êxtase: Maria Santíssima lhe apareceu segurando em seus braços o Menino Jesus. Uma doença que quase a levou à morte serviu para desprendê-la mais e mais da terra e torná-la mais próxima de Deus.

Na idade de dezesseis anos, aparece no cenário de sua vida um parente da mãe que se tornou seu tutor, o que sugere que os pais morreram prematuramente. O tutor combina, de acordo com o costume da época, o casamento de Joana com o Barão Roberto II de Sillé, um bom jovem, não muito mais velho do que ela, seu companheiro de brincadeiras na infância. E isto apesar de estar ciente da inclinação de Joana para a vida religiosa e de seu voto de castidade. Portanto, é um casamento contra a vontade da jovem.

Providencialmente, o tutor morreu repentinamente na manhã do dia do casamento, e a impressão no noivo foi tão grande, que propôs a Joana viverem em perfeita continência, isto é, como irmão e irmã. Seu consentimento é imediato, já que estava preparada para isto pelo seu voto de virgindade.

Apesar das premissas, o casamento funcionou e bem: como base da união eles colocaram o Evangelho, e viveram-no plenamente, resultando em muitas boas obras, como: adotar algumas crianças abandonadas, alimentar e cuidar dos pobres, ajudar os empestados… Na verdade, tinham muito que fazer. Nunca se viu tanto movimento no castelo desde que se espalhou a notícia de o casal ser extremamente caridoso.

E pensar que não faltavam problemas para eles, como quando Roberto teve que ir para a guerra (estamos na época da Guerra dos Cem Anos), foi ferido e preso pelos britânicos. Para libertá-lo Joana pagou um resgate elevado, o que afetou fortemente o patrimônio do casal. No entanto, eles não perderam a fé, e uma vez instalados, marido e mulher, lado a lado, primeiro tratam dos contagiados pela peste negra, depois, dos leprosos.

Roberto morreu em 1362 e Joana, viúva aos 30 anos, vê toda a família de seu marido se voltar contra ela. A principal acusação: ter esbanjado a fortuna da família. Assim, ela foi expulsa do Castelo de Silly e ficou sem casa, sem um tostão, forçada a viver da caridade. Mas, mesmo na rua, os parentes ricos continuavam a persegui-la: enviavam seus serviçais para lançar-lhe insultos quando ela passava, porque não queriam rebaixar-se para fazê-lo pessoalmente.

Ela renunciou a todos os seus bens e foi morar em um casebre construído junto ao convento dos Frades Menores Franciscanos de Tours, onde levava uma vida de penitência, contemplação e pobreza contínua, a mendigar o pão. Ela gozava de várias aparições da Virgem Maria, de São Francisco e de Santo Ivo, o qual recomendou que ela ingressasse na Ordem Terceira de São Francisco.

Joana sofria e, com um amor sem limites, não tinha um mínimo de ressentimento. E para sabermos onde ela encontrava tal força e tanta bondade, olhemos para suas longas horas de oração, sua grande penitência, seus sacrifícios. Escolheu para vestir uma túnica grosseira e rude, muito semelhante à roupa de seus amados franciscanos, de cuja intensa espiritualidade vive.

Continuou a fazer caridade com os doentes e os prisioneiros condenados à morte, se não mais com dinheiro, com a sua presença e seus humildes serviços, consolando-os quando não podia fazer nada melhor, e intercedendo por sua libertação quando atingiu popularidade e pode usá-la em proveito do próximo.

Devido a sua reputação como uma mulher de Deus ter se espalhado pela França, muitos a procuravam pedindo conselhos, e entre aqueles que bateram à sua porta havia também alguns daqueles que a tinham insultado antigamente e que ela recebe com amor e paciência.

O rei de França, Carlos VI, que estava em Tours, foi visitar a penitente famosa que lhe pediu para libertar alguns prisioneiros e dar a outros a ajuda de um capelão.

Em 1395, Joana mudou-se para Paris onde se encontrou outra vez com o rei da França, Carlos VI e sua esposa, Isabel da Baviera. Ela aproveitou a oportunidade para criticar o luxo da corte e a vida licenciosa dos cortesãos. Em Paris, ela visitou a Saint-Chapelle para venerar as relíquias da Paixão de Cristo.

Apesar da saúde frágil e das dificuldades de sua vida penitente, Joana atingiu uma idade de 82 anos e morreu em 28 de março de 1414 cercada de uma sólida reputação de santidade e foi sepultado na igreja franciscana. Infelizmente o seu túmulo foi profanado pelos calvinistas nas guerras de religião.

Sua fama de santidade era tão difundida, que os fiéis a veneravam espontaneamente. Como resultado, em apenas 12 meses para instaurado o processo diocesano informativo para sua canonização. Mas, mesmo depois de uma morte Joana tem que esperar: sua beatificação ocorreu muito tarde, em 1871, pelo Papa Pio IX.
Aparição de Santo Ivo a Beata Joana Maria de Maillé.

A Beata relatou uma visão de Santo Ivo em uma época difícil de sua vida. A jovem baronesa tinha ficado viúva e expulsa do seu castelo pelos parentes, que alegou que ela tinha encorajado uma excessiva caridade de seu esposo, em detrimento do novo herdeiro. Após ser maltratada, inclusive por atendimento a quem tinha dado refúgio, ela retornou sua família em Tours.

A aparição é contada por dois historiadores da Ordem Terceira. Santo Ivo "aconselhou-se a um mundo e tome o hábito que ele estava usando". Outro biógrafo diz: "Se vós deixardes o mundo, gozareis, mesmo aqui na Terra, como alegrias do Paraíso".

Os mesmos autores mostram-me Joana não hesitou diante da perspectiva de renunciar a tudo. "Pobre pequena baronesa! Ela ficou amedrontada diante da promessa de liberdade da pobreza e acreditou que o fato de que não poderia desfrutar de último refúgio, seu lar. Mas uma vontade de Deus era outra ".

Joana desenvolveu-se hesitado, pois só depois de uma visão de Nossa Senhora, que repetiu o mesmo conselho, é que o tomou o hábito da Ordem Terceira de São Francisco.

Fonte: Cecily Hallack e Peter F. Anson, em "Estes são os que estão em paz: Estudos dos Santos e Beatos da Ordem Terceira de São Francisco", cap. VI, p. 152-3

segunda-feira, 27 de março de 2017

Santo franciscano do dia - Santo Alberto Chmielowski



Religioso da Terceira Ordem Regular (1843-1916). Fundador dos Servos e Servas dos Pobres de São Francisco. Canonizado por São João Paulo II no dia 12 de novembro de 1989.

Nasceu a 20 de Agosto de 1845, como primogênito de Alberto Chmielowki e de Josefa Borzylawska. Foi batizado a 26 desse mês, com o nome de Adão Hilário Bernardo. A família era abastada, detentora de enormes propriedades.

Aos sete anos, perdeu o pai. A mãe mudou-se para Varsóvia, onde Adão prosseguiu os estudos, primeiro na escola de cadetes, depois no instituto de agronomia, para melhor se dedicar à sua lavoura.

Por volta dos 18 anos, participou na insurreição contra o domínio do Czar. Foi ferido, na batalha de Melchow e levado prisioneiro. No cárcere, foi-lhe amputada uma das pernas, operação que agüentou com heróica valentia. Após um ano, conseguiu fugir. Matriculou-se em Paris, numa academia de pintura. Foi para a Bélgica e, posteriormente, para Mônaco, regressando depois a Varsóvia, onde formou-se em pintura e arquitetura. As suas telas tornaram-no muito popular e conhecido. Entretanto, começou a preocupar-se e a afligir-se com os necessitados e pobres.

Em 1880, entrou para a Companhia de Jesus cujo noviciado abandonou, atormentado por escrúpulos e acometido por uma séria enfermidade. Refeito da doença, hospedou-se em Cracóvia, fazendo-se pobre com os pobres, à semelhança de Cristo, que de tudo Se despojou em favor dos outros. Ia distribuindo os haveres, ganhos com os trabalhos de pintor notável, entre os mais necessitados, que reunia nos albergues públicos, onde também ele dormia.

Tornou-se franciscano da Ordem Terceira. Portando o hábito de burel, prosseguiu na sua caridade para com os indigentes. Como não se sentisse capaz de sozinho socorrer tantos pobres, com a aprovação do bispo de Cracóvia, reuniu alguns companheiros e lançou os fundamentos de uma nova congregação, os Servos dos Pobres, mudando o seu nome para Alberto, ao fazer os seus votos de pobreza, castidade e obediência. Não escreveu nenhuma Regra, mas o seu exemplo e proceder foram incentivo e modelo inédito de viver à maneira de Cristo.

Construiu oficinas várias, para os necessitados poderem ganhar alguma coisa e reconstituírem a vida. Jamais aceitou bens imóveis ou auxílios econômicos estáveis. Vivendo em casas do Estado ou da Diocese, limitava-se a receber o que lhe iam dando, dia a dia. Nos albergues acolhia todos os infelizes, sem querer saber suas origens, raça, etnia ou religião.

A 15 de Janeiro de 1891, ao reparar nas necessidades de tantas mulheres, com a cooperação de Ana Francisca Lubanska e Maria Cunegundes Silokowka, seduzidas pelo seu exemplo, fundou um ramo feminino da sua associação, para que alimentassem as famintas e as acolhessem em abrigos decentes, sobretudo nos casos de epidemias.

Com palavras de ânimo e conselhos apropriados, com pregações sobre os desajustamentos sociais, ressaltando a obrigação de todos, sobretudo os mais favorecidos em riquezas, de ajudarem os ignorantes e miseráveis, Santo Alberto não só formava os seus seguidores como suscitava nos ricos um desprendimento que os impulsionasse a uma generosa caridade.

Em 25 de Dezembro de 1916, já com várias comunidades ao serviço dos pobres e com mais de uma centena de discípulos, entregou a sua alma a Deus.

sábado, 25 de março de 2017

O que é ser Santo?


Neste dia, não há uma biografia no Santoral Franciscano. Oferecemos, então, uma reflexão do Papa Bento XVI sobre “O que é ser santo?”

O que significa dizer ser santos? Quem é chamado a ser santo? Muitas vezes, somos levados ainda a pensar que a santidade seja uma meta reservada a poucos eleitos. […] A santidade, a plenitude da vida cristã, não consiste em cumprir ações extraordinárias, mas em unir-se a Cristo, em viver os seus mistérios, em fazer nossas as suas atitudes, seus pensamentos, seus comportamentos. A medida da santidade é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, através da qual, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida sobre a sua. É o ser conforme a Jesus. Todos somos chamados à santidade: é a medida mesma da vida cristã”, ressaltou.

O Sucessor de Pedro propôs dois questionamentos fundamentais: Como podemos percorrer a estrada da santidade, responder a esse chamado? É possível apenas com nossas próprias forças? “A respota é clara: uma vida santa não é fruto principalmente do nosso esforço, das nossas ações, porque é Deus que nos torna santos, é a ação do Espírito Santo que nos anima a partir de dentro, é a vida mesma de Cristo Ressuscitado que nos é comunicada e que nos transforma”.

A santidade tem sua raiz última na graça batismal, pois é devido a ela que nosso destino é ligado indissoluvelmente ao seu. “Mas Deus respeita sempre a nossa liberdade e pede que aceitemos esse dom e vivamos as exigências que ele comporta, pede que nos deixemos transformar pela ação do Espírito Santo, conformando a nossa vontade à vontade de Deus”, explicou.

Como viver? O que é essencial? É possível?

Aqui surgem duas outras indagações importantes: Como pode acontecer que o nosso modo de pensar e as nossas ações tornem-se o pensar e o agir com Cristo e de Cristo? Qual é a alma da santidade? “De novo o Concílio Vaticano II precisa; diz-nos que a santidade cristã não é nada mais que a caridade plenamente vivida, o dom primeiro e mais necessário. Mas, para que a caridade cresça na alma e ali frutifique, cada fiel deve escutar voluntariamente a Palavra de Deus e, com o auxílio da sua graça, realizar as obras de sua vontade, participar frequentemente dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da santa liturgia; aplicar-se constantemente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço ativo dos irmãos e ao exercício de toda a virtude. A caridade dirige todos os meios de santificação, lhes dá forma e condu-los ao seu objetivo”, definiu Bento XVI.

Frente à possível dificuldade de compreensão dos marcos pastorais do Concílio, o Papa diz que talvez seja preciso dizer as coisas de modo mais simples. “O que é essencial?”, pergunta, e indica não deixar nunca de participar do encontro com Cristo Ressuscitado na Eucaristia aos domingos, não começar e não terminar o dia sem ao menos um breve contato com Deus e seguir os indicadores que ele coloca à beira do caminho de nosso vida. “Essa é a verdadeira simplicidade, grandeza e profundidade da vida cristã, do ser santos”, frisou.

O Papa lança ainda outro questionamento: Podemos nós, com os nossos limites, buscar a uma meta tão alta? Bento XVI explica que a Igreja convida, durante todo o Ano Litúrgico, a fazer memória de uma legião de Santos que viveram plenamente a santidade na sua vida cotidiana, os quais dizem-nos que é possível percorrer essa estrada.

“Na realidade, devo dizer que também para a minha fé pessoal muitos santos, não todos, são verdadeiras estrelas no firmamento da história. E gostaria de complementar que, para mim, não somente alguns grandes santos que amo e que conheço bem são ‘indicadores do caminho’, mas propriamente também os santos simples, isto é, as pessoas boas que vejo na minha vida, que não serão nunca canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas na sua bondade de todo dia vejo a verdade da fé. Essa bondade, que amadureceram na fé da Igreja, é para mim a mais segura apologia do cristianismo e o sinal de onde esteja a verdade”, ressaltou.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Santos do Brasil - Protomártires do Brasil serão canonizados.


Cidade do Vaticano – A Igreja no Brasil recebe uma grande notícia: em audiência concedida ao prefeito da Congregação das Causas dos Santos, Cardeal Angelo Amato, o Papa Francisco aprovou os votos favoráveis da Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos Membros da Congregação sobre a canonização dos protomártires do Brasil.

Trata-se dos seguintes Beatos: André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, sacerdotes diocesanos, e Mateus Moreira e seus vinte e sete companheiros leigos, que em 1645, no Rio Grande do Norte, derramaram seu sangue por amor a Cristo.

Os chamados mártires de Cunhaú e Uruaçu foram beatificados no ano 2000. “Desde então o processo se intensificou e agora com esta aprovação do Santo Padre temos como certa a canonização”, disse Dom Jaime Vieira Rocha.

“Devemos render graças a Deus e proclamar o belíssimo refrão do hino dos mártires: Mártires da fé, filhos do Rio Grande, homens e mulheres, jovens e meninos, pelo Bom Pastor deram o seu sangue. Nossa Igreja, em festa, canta os seus hinos. Então, nós estamos em festa com esta notícia, de muitas graças para a nossa Igreja. Podemos nos alegrar, render graças a Deus e convocar toda a nossa Igreja de Natal, do Brasil e do Rio Grande do Norte para esta grande ação de graças pela canonização dos nossos mártires. 

Desde 2000, quando foram beatificados, o processo se intensificou e agora, o Papa Francisco certamente, com muitas alegria, aprovando os votos da Congregação, teremos como certa a canonização. Isto para nós é motivo de alegria; que a intercessão dos nossos mártires pela nossa Igreja no Brasil, pela nossa Arquidiocese e por todo o povo de Deus seja um sinal de esperança, de testemunho, de convicção na vivência da nossa fé. Eles são um exemplo porque deram a vida, derramaram o sangue, na vivência de sua fé”.

Em 16 de julho de 1645, o Pe. André de Soveral e outros 70 fiéis foram cruelmente mortos por 200 soldados holandeses e índios potiguares. Os fiéis estavam participando da missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú – no município de Canguaretama (RN). Em 3 de outubro de 1645, três meses depois, houve o massacre de Uruaçú. Padre Ambrósio Francisco Ferro foi torturado e o camoponês Mateus Moreira, morto.Os invasores calvinistas não admitiam a prática da religião católica.

Durante a Audiência, o Santo Padre autorizou a Congregação das Causas dos Santos a promulgar os Decretos referentes:

 ao milagre atribuído à intercessão do Beato Angelo de Acri (de nome: Luca Antonio Falcone), sacerdote professo da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos; nascido em 19 de outubro de 1669 e falecido em 30 de outubro de 1739;

ao milagre atribuído à intercessão do Beato Francisco Marto, nascido em 11 de junho, de 1908 e falecido em 4 de abril de 1919, e da Beata Jacinta Marto, nascida em 11 de março, 1910 e falecida em 20 de fevereiro de 1920, as crianças de Fátima;

 ao martírio dos Servos de Deus José Maria Fernández Sánchez e 32 Companheiros, Sacerdotes e Irmãos Coadjutores da Congregação da Missão, bem como 6 Leigos, da Associação da Medalha Milagrosa da Beata Virgem Maria, assassinados por ódio à fé em 1936 durante a guerra civil espanhola;

ao martírio da Serva de Deus Regina Maria Vattalil (de nome: Maria), religiosa professa da Congregação das Irmãs Clarissas Franciscanas; assassinada por ódio à Fé, em 25 de fevereiro de 1995;

às virtudes heroicas do Servo de Deus e Daniel da Samarate (de nome: Felice Rossini), sacerdote professo da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos; nascido em 15 de junho de 1876 e falecido em 19 de maio de 1924;

às virtudes heroicas da Serva de Deus Macrina Raparelli (de nome: Elena), Fundadora da Congregação das Irmãs Basilianas Filhas de Santa Macrina; nascida em 02 de abril de 1893 e falecida em 26 de fevereiro de 1970;

às virtudes heroicas da Serva de Deus Daniela Zanetta, Leiga; nascida em 15 de dezembro de 1962 e falecida em 14 de abril de 1986.

O Santo Padre também aprovou os votos favoráveis da Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos Membros da Congregação sobre a canonização dos seguintes Beatos: – Cristoforo, Antônio e Giovanni, adolescentes, Mártires, assassinados por ódio à fé no México, em 1529.

Franciscano do dia - 24/03 - Bem-aventurado Diego José de Cádiz


Sacerdote da Primeira Ordem (1743-1801) foi beatificado por Leão XIII em 23 de abril de 1894. 

O Beato Diogo José de Cádiz nasceu em Cádiz, Espanha, a 30 de março de 1743. Filho de família nobre e ilustre ficou órfão de mãe aos nove anos. Pediu e foi admitido no noviciado dos Capuchinhos em Sevilha, a 30 de março de 1758. Ali fez sua profissão em 31 de março de 1759. Depois de sete anos, durante os quais fez seus estudos de Filosofia e Teologia, recebeu a ordenação sacerdotal em Carmona. Atraído, por temperamento e vocação, para o apostolado ativo, trabalhou intensamente, com a palavra e com a escrita difusão da fé, em promover o entusiasmo religioso no meio do povo espanhol, lançando uma cruzada contra os revolucionários franceses de 1793 a 1795.

Desta sua luta, deixou como testemunho, o livro “El soldado católico en guerra de religión”, redigido em forma de carta ao sobrinho Antônio inscrito voluntariamente no exército. Difundiu eficazmente a devoção à Santíssima Trindade e a Nossa Senhora sob a invocação de Mãe do Divino Pastor. Foi escolhido para consultor e teólogo em várias dioceses e constituíram- no cônego honorário em muitos cabidos de catedrais.

Foi sócio de várias Universidades e Institutos de cultura. Mostrou-se modelo de capelão militar. Sua apurada educação clássica, seu bom senso intuitivo e a tradição franciscana salvaram-no do intelectualismo que predominava no seu tempo, mantendo-o na linha da pregação evangélica recomendada por São Francisco que, pelo fato de ser a mais simples, é também a mais sóbria e a mais eficaz.

Dotado por Deus de inteligência fora de série, converteu-se no grande apóstolo da Espanha que ele percorreu a pé, coberto com seu hábito e agarrado ao seu crucifixo. Dotado de amor ardente à Igreja, entregava-se longamente ao estudo da Sagrada Escritura para depois poder comba ter os erros do seu tempo em pregações ao povo e também à gente da cultura e das letras.

A oração, a penitência, a austeridade tornaram fecunda sua admirável vida tão ativa e enriquecida também com milagres. O Senhor chamou-o, em Ronda, junto a Málaga, a 24 de março de 1801, com 58 anos de idade, depois de 32 anos de intense atividade missionária. Deixou-nos, além de três mil sermões já mencionados, numerosos escritos, entre os quais, preciosas cartas espirituais. Foi sepultado no santuário de Nossa Senhora da Paz, em Ronda, onde faleceu. O Papa Leão XIII, a 1º de abril de 1894, beatificou-o na Basílica de São Pedro, em Roma.

ORAÇÃO:
Senhor, que concedestes ao Beato Diogo José de Cádiz a sabedoria dos santos, e fizestes dele guia e modelo para o seu povo, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de sabermos discernir o que é bom e justo, a fim de anunciarmos a todos os homens a riqueza insondável da verdade que é Cristo. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Reflexão - Desculpar



“A vingança nos torna igual aos inimigos. O perdão faz-nos superiores a ele”. 

Nas relações humanas têm momentos onde ferimos as pessoas; noutros momentos, ferimos até aquelas que amamos. As rosas possuem espinhos para proteger sua delicadeza… E nós aprendemos a retirá-los para apreciarmos ainda mais sua beleza e seu perfume. Tal comparação também pode ser feita para nossas vidas: em algum momento da vida ferimos as pessoas para proteger a nossa fragilidade, nossa incapacidade, nosso medo… Desculpar, perdoar são atitudes que nos elevam, nos fazem crescer!

Quando des-culpamos, estamos tirando o fardo que pesa sobre os ombros dos outros. Quando somo desculpados, são os outros que retiram os fardos que pesam sobre nós. O perdão é algo divino, pois nos ajuda a criar a semelhança de Deus em nós. Quando perdoamos crescemos em nossa humanidade, quando perdoamos ascendemos em nossa divindade. Desculpar e perdoar nos faz mais gente, mais humanos, mais generosos… E o divino brilha em nós!

Frei Paulo Sérgio, ofm.

Franciscano do dia - 23/03 - Bem-aventurado Marcos de Montegallo


Sacerdote da Primeira Ordem (1425-1496). Gregório XVI aprovou seu culto em 20 de setembro de 1839. 

Marcos nasceu em 1425 em Fonditore, povoado de Montegallo, onde seu pai Claro de Marchio, havia se retirado há alguns anos para fugir das facções violentas que assolaram o Ascoli Piceno. Ele retornou a esta cidade para facilitar os estudos de Marcos, que logo ingressou na Universidade de Perugia, e daí para Bolonha, onde obteve o doutorado em Direito e Medicina. Em Ascoli exerceu durante um tempo a profissão médica. Para atender aos desejos de seu pai em 1451 ele se casou com Clara Tibaldeschi, mulher nobre, com quem viveu em continência. 

Com a morte de seu pai no ano seguinte, por acordo comum, o casal abraçou a vida religiosa. Ela foi recebida pelas Irmãs Clarissas do Mosteiro de Santa Clara das Damas Pobres em Ascoli e ele ingressou no Convento dos Frades Menores da Fabriano.

Fez o noviciado em Fabriano, foi superior em San Severino, logo começou a missão de pregador, sob a orientação do grande confrade e companheiro São João de Marcas. As feridas principais de seu século foram a guerra civil e da usura (agiotagem), praticada principalmente por judeus. Marcos, com fervorosa pregação, trouxe a paz e harmonia e acalmou as facções em Ascoli, Camerino, Fabriano e outras cidades. Contra o abuso dos agiotas estabeleceu-se casa de penhores em Ascoli (1458), Fabriano (1470), Fano (1471), em Acervia (1483), em Vicenza (1486), em Ancona, Camerino, Fermo e Ripatransone (1478).

Em 1480, juntamente com outros confrades, foi nomeado pelo Papa Sisto IV pregador e coletor para a cruzada. Ele também foi diretor espiritual da recém-canonizada Camilla Batista Varano. Também encontrou tempo para escrever vários livros, incluindo “La Tavola della Salvezza”, que publicou em Florença, em 1494.

Em 19 de março de 1496, em Vicenza, onde ele estava pregando, foi surpreendido pela morte e foi sepultado na igreja franciscana de San Biagio Vecchio, que era objeto de culto público. Em Ascoli Piceno, na igreja franciscana, há uma pintura do bem-aventurado, datada de 1506. Em Montegallo foram erguidos altares em sua honra. Não muito tempo depois de sua morte foi feito a um rito latino que exalta louvores sua vida santa.

Marcos de Montegallo pertence ao grande grupo de pregadores do Evangelho e da penitência, inatingível para o seu equilíbrio sobrenatural, como São Bernardino de Siena. Eles produziram uma primavera de vida cristã, um extraordinário florescimento de santidade.

Fonte: “Santos Franciscanos para cada dia”, Ed. Porziuncola.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Papa na Audiência: "próximos dos fracos como semeadores de esperança".



Quarta-feira, 22 de março: audiência com Papa Francisco na Praça de São Pedro. Na sua catequese, partindo do capítulo 15 da epístola de S. Paulo aos Romanos,  o Papa prosseguiu o ciclo de suas catequeses sobre a esperança cristã. Durante semanas – disse - o apóstolo Paulo nos está ajudando a compreender melhor em que consiste a esperança cristã, e hoje ele o faz colocando-a lado a lado com duas atitudes importantes para a vida e a nossa experiência de fé: a "perseverança" e a "consolação".

A perseverança, explicou Francisco, poderíamos defini-la também como paciência, pois ela é a capacidade de suportar, permanecer fieis, mesmo quando o peso parece tornar-se demasiado grande, insustentável, e seríamos tentados a julgar negativamente e abandonar tudo e todos. E consolação, por sua vez, é a graça de saber perceber e mostrar em todas as situações, mesmo naquelas mais marcadas pela decepção e sofrimento, a presença e a ação misericordiosa de Deus.

São Paulo recorda-nos que tanto a perseverança como a consolação nos são transmitidas de um modo particular pelas Escrituras, sublinhou o Papa:
“De fato a Palavra de Deus, em primeiro lugar, leva-nos a dirigir o olhar para Jesus, a conhecê-lo melhor e a conformar-nos a Ele, a assemelhar-nos cada vez mais a Ele. Em segundo lugar, a Palavra nos revela que o Senhor é verdadeiramente "o Deus da perseverança e da consolação", sempre fiel ao seu amor por nós e que cuida de nós, cobrindo as nossas feridas com a carícia da sua bondade e misericórdia”.

Nesta perspectiva, prosseguiu o Santo Padre, podemos compreender as palavras de Paulo "Nós, que somos fortes, temos o dever de carregar as fraquezas dos fracos, e não buscar apenas o que nos agrada". Na verdade, a expressão "nós, que somos fortes" que poderia parecer presunçosa, na lógica do Evangelho não o é, antes pelo contrário, porque a nossa força não vem de nós, mas do Senhor. 

E Francisco acrescentou:
“Quem experimenta na própria vida o amor fiel de Deus e a sua consolação pode, ou melhor, tem o dever de ficar próximo dos irmãos mais fracos e se carregar das suas fragilidades. E pode fazê-lo sem autocomplacência, mas sentindo-se simplesmente como um "canal" que transmite os dons do Senhor; e assim, se torna, concretamente um "semeador" de esperança”.

Francisco ressaltou em seguida que o fruto deste estilo de vida não é uma comunidade onde alguns são de "Série A", isto é, os fortes, e outros de "série B", ou seja, os fracos, mas pelo contrário, devemos "ter uns para com os outros os mesmos sentimentos, a exemplo de Cristo Jesus". Porque mesmo aquele que é "forte" cedo ou tarde acaba por experimentar a fragilidade e precisar do conforto dos outros; e vice-versa na fraqueza se pode sempre oferecer um sorriso ou uma mão ao irmão em dificuldade.

Mas tudo isso – disse o Papa a terminar - é possível quando se põe no centro Cristo e a sua Palavra, porque é Ele, e somente Ele, o “irmão forte” que cuida de todos nós. Nunca agradeceremos suficientemente a Deus pelo dom da sua Palavra, presente nas Escrituras e onde Deus  se revela como "o Deus da perseverança e da consolação", e nós nos tornamos conscientes que a nossa esperança não se funda nas nossas capacidades e nas nossas forças, mas no apoio de Deus e na fidelidade do Seu amor – concluiu Francisco.

Na sua saudação aos peregrinos de língua inglesa, e em alusão ao Dia Mundial da Água que hoje se celebra, o Papa Francisco acrescentou as seguintes palavras:
 “Dirijo a minha cordial saudação aos participantes na conferência sobre o tema: "Watershed: Replenishing Water Values for a Thirsty World” [ … ], promovida pelo Pontifício Conselho para a Cultura e o Capítulo Argentino do Clube de Roma. Hoje precisamente se celebra o Dia Mundial da Água, instituído há 25 anos pelas Nações Unidas, enquanto ontem foi o Dia Internacional das Florestas. Alegro-me por este encontro, que marca uma nova etapa no empenho conjunto de várias instituições para sensibilizar sobre a necessidade de proteger a água como um bem de todos, valorizando também os seus significados culturais e religiosos. Encorajo em particular o vosso esforço no campo educativo, com propostas destinadas às crianças e jovens. Obrigado por aquilo que fazeis, e que Deus vos abençoe!”

O Papa Francisco, como habitualmente, também se dirigiu aos fiéis de língua portuguesa:
“Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, do Brasil e de Portugal. Queridos amigos, somos chamados a estar sempre disponíveis aos outros, com um sorriso ou uma mão estendida para quem está em dificuldade, tornando-nos assim verdadeiros semeadores de esperança. Que Deus vos abençoe a todos!”

A propósito da iniciativa “24 horas para o Senhor”  programada para o próximo fim de semana, Francisco lançou o seguinte apelo:
“Convido todas as comunidades a viver com fé o encontro de 23 e 24 de março para redescobrir o sacramento da reconciliação: "24 horas para o Senhor". Espero que também neste ano este momento privilegiado de graça do caminho quaresmal seja vivido em muitas igrejas para experimentar o encontro jubiloso com a misericórdia do Pai, que a todos acolhe e perdoa”.

Ao grupo de língua italiana o Papa dirigiu uma cordial saudação aos participantes no encontro para Diretores Migrantes encorajando-os a prosseguirem no empenho para o acolhimento e hospitalidade das pessoas deslocadas e dos refugiados, facilitando a sua integração, tendo em conta os direitos e os deveres recíprocos para aqueles que acolhem e aqueles que são acolhidos.

O Papa Francisco a todos deu a sua bênção .

Santo franciscano do dia - 22/03 - São Benvindo



Bispo de Osimo, Primeira Ordem (1188-1282). Martin IV aprovou seu culto como um santo em 1284. 


Benvindo Scotívoli, nascido em Ancona, em 1188, estudou direito em Bolonha, sob a orientação de São Silvestre Guzzolini, cânone de Osimo, mais tarde fundador dos monges Silvestrinos. Foi nomeado capelão papal em Ancona. Em 1º de agosto de 1263, foi nomeado administrador da diocese de Osimo, que havia sido anexada a Numana por Gregório IX em punição devido à sua adesão ao partido de Frederico II. Reestabelecida a sua sede no dia 13 março de 1264, Urbano IV confiou seu governo para Benvindo, que em 1267 também foi encarregado por Clemente IV para o governo de Ancona. Durante este período, foi ordenado sacerdote em São Nicolau de Tolentino. Ele era muito devoto de São Francisco de Assis, por isso acolheu em sua diocese os Frades Menores e pediu para ingressar na Primeira Ordem. Vestiu com o fervor o hábito e insistiu em viver o espírito seráfico.

Benvindo foi um grande reformador. Por uma disposição de 15 de janeiro de 1270 proibiu o mosteiro de San Florencio Pescivalle, do qual era administrador, de vender os bens. Em um sínodo no dia 07 fevereiro de 1273 proibiu a venda das propriedades da igreja e em 1274 colocou em ação as reformas do capítulo da catedral e defendeu os direitos da Diocese sobre a cidade de Cingoli.

Em seu ministério episcopal sempre teve como único objetivo promover a glória de Deus, desprezar as riquezas e as coisas mundanas, trabalhar duro para o bem da sua alma e as almas confiadas aos seus cuidados. Ele combinou sua performance em força e suavidade de costumes, para o triunfo da justiça e da paz no vínculo do amor. Foi um verdadeiro e bom pastor do seu rebanho e guardião vigilante das leis de Deus e da Igreja. Zeloso na pregação evangélica e instrução catequética, muitas vezes visitou a diocese, realizou um Sínodo diocesano em que ditou sábias regras para promover a disciplina eclesiástica. Promoveu a cultura e a formação dos novos diáconos, que estavam se preparando para o sacerdócio, com a palavra inspirada e com o bom exemplo, e com sua vida santa.

Benvindo morreu em 02 de março de 1282, aos 94 anos de idade. Ele foi enterrado na catedral de Osimo em um mausoléu nobre, por ordem do clero e do povo. Sobre seu túmulo tiveram milagres e graças.

terça-feira, 21 de março de 2017

Quaresma : Jejum, Oração e Misericórdia.



Um dos maiores e mais profundos escritores dos primeiros séculos da vida da Igreja foi  São Pedro Crisólogo (380-450).  O sermão que transcrevemos une  jejum com oração e misericórdia.

Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente.

O jejum é a alma da oração, e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora, também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda às suplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.

Quem jejua, pense no sentido do jejum;  seja sensível  à fome dos outros, quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça;  quem quer ser ajudado, ajude os outros.  Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si.

Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia; deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros  com generosidade e  presteza.

Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum,  para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva  que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus.  Quem não dá isso a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.

Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos  se for regado pela misericórdia;  pois a aridez da misericórdia  faz secar o jejum.  O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia.

Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo, se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia  encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá de ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também não o possuirás.

Lecionário Monástico  II, p.  273-274

domingo, 19 de março de 2017

Especial São José - José das poucas palavras.



Frei Hugo D. Baggio

Garimpando no pouco

Quando nos detemos na figura de São José, no primeiro instante, pode parecer uma figura grande, importante, entrosada no plano de Deus, presente no momento augusto da história do homem, quando Deus vem estabelecer sua tenda na terra, tenda que José ajudou a fixar para que os ventos adversos não a derrubassem no primeiro instante de sua fixação. Além disso, São José mora profundamente na devoção do povo de Deus, talvez mais fortemente do que aparece na liturgia e nas fórmulas de louvor com que a Igreja celebra os seus homens ilustres, de cuja seiva se alimenta no decorrer dos séculos, e talvez mesmo além dos próprios tratados teológicos, tão parcos em comentar São José. Muitas igrejas e oratórios lhe são dedicados, muitos locais lhe ostentam o nome, inclusive o mês de março lhe é, de modo particular, consagrado. Muitas pessoas o homenageiam tomando-lhe o nome, fora de dúvida um dos mais populares. Em alguns países sua devoção é promovida de forma mais arrojada, enquanto em outros passa algo despercebida.

No entanto, quando a gente se mete a refletir sobre esta figura ou pretende escrever algo a respeito de sua passagem na história e de sua ação, caímos na realidade e que bem pouco fica recolhido que sirva como fundamento de sua presença e de sua atuação. Pouco a história guardou, como pouco os escritores sagrados dele se ocuparam. Teria ele pouco a fornecer, ou teria sido a presença marcante das duas figuras que, com ele conviveram, de tal magnitude que eclipsou o possível brilho que ele projetou? Porque, de fato, competir com Jesus e Maria é uma empresa de proporções descomunais. Sobretudo quando tanto Jesus quanto Maria, tiveram, no correr da história – e continuam tendo – momentos de particular influência, enquanto a José tal não aconteceu. Jesus, de quando em quando, na história tem seus ensinamentos revisados, seu Evangelho relido, o que aparece como uma redescoberta, como sucede em nossos dias. Com a doutrina, é claro, fica reencontrada e revivificada a figura de Cristo e sua atuação.

Maria, igualmente, teve momentos de exaltação e de ascensão na cotação do povo, fazendo com que sua figura se agigantasse e fizesse aflorar lembranças e dados históricos a ela ligados, levando, inclusive, teólogos a temerem riscos de excessos, como o registrou o Vaticano II. O que não aconteceu com São José, que pouco trabalho deu aos peritos do Concílio. Sua linha de modéstia e ocultamento foi uma constante: desde que apareceu no Evangelho até os nossos dias, pouco foi acontecendo no sentido de reforçar as fundamentações da devoção a São José, ou no sentido de acrescentar reforços aos poucos dados que a tradição havia colecionado. Tudo nele é tímido. Caiu sob a problemática da infância de Jesus, aquele espaço de tempo que a história nada registrou e que a curiosidade, desde os primeiros tempos do cristianismo, tentou preencher através de piedosas lendas, mas sempre lendas, criações movediças para historiadores que reclamam seriedade e documentação.

Todavia, a admiração silenciosa e o culto firmado a São José têm as suas fundamentações, que devem ser como que garimpadas em meio às alternâncias da história e das vicissitudes do Povo de Deus. Sua grandeza aparece suficientemente embasada para que, o monumento que lhe foi erguido, no coração da cristandade, tenha solidez e apoie as conclusões a respeito dele extraídas. Talvez o silêncio que envolve sua personalidade seja exatamente o fascínio que ele exerce sobre as pessoas, sobretudo de religiosidade mais amadurecida. Há pessoas no plano de Deus que são como aquela gota, sem a qual, o copo não transborda, ou seja, a obra não fica completa. Justamente «a gota que faltava» parece algo insignificante pelo fato de ser «gota», mas verdade é que sem ela o plano não maturaria e os grandes projetos não chegariam a bom termo. A arte está em ser somente gota, sem complexos de inferioridade. É semelhante a uma equipe que elabora um minucioso projeto e o leva a bom termo, mas precisa de alguém para acionar o mecanismo, para que o voo fantástico atinja os espaços. É o caso de São José, que, «passa pelo Evangelho sem pronunciar uma única palavra e é forte neste silêncio, silêncio feito de fé, não de temperamento; silêncio de justo, de santo» (J. Mohana).

Tentaremos, pois, nas linhas que se seguem, garimpar a vida de São José e captar o que fez, o que significou e a perene mensagem que traz aos homens de hoje, em tempos em que todas as lideranças humanas estão falhando e, por isso mesmo, se fazem necessárias presenças vigorosas que sirvam de bandeira e guia. Quando os vivos falham com sua missão de condutores, Deus nos oferece os «mortos», que, como nós, enfrentaram as borrascas e encontraram os meios de as superar, sem se deixarem afogar. Assim, plantam-se como carvalhos, em tempos de “homens-alface” …

José, o esposo de Maria

Mateus (1,16), na genealogia de Cristo, diz: «Jacó gerou JOSÉ, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo». E Lucas (3,23) escreve: «Jesus, ao iniciar seu ministério, tinha cerca de trinta anos, sendo filho, como se suponha, de José, filho de Heli». E antes Lucas dissera (1,26): «Ao sexto mês, foi o Anjo Gabriel enviado, da parte de Deus, a uma cidade da Galileia chamada Nazaré a uma virgem que era NOIVA dum homem da casa de Davi chamado JOSÉ, e o nome da virgem era Maria». Realidade extraordinária, na vida de José, foi seu CASAMENTO com Maria, pois, foi esta a ponte que o transportou para dentro do mistério salvífico de Deus, determinando-lhe o lugar específico que ocuparia dentro do plano de Deus.

Quando nos detemos neste episódio, encontramos uma série de dificuldades para explicitá-lo. Temos diante dos olhos o quadro de Leonardo da Vinci: os esponsais da Virgem, onde um sacerdote abençoa o jovem par, enquanto outros jovens, com cara de decepcionados, quebram varas, pois apenas a de José florira, numa espécie de teste que havia sido proposto para ver quem mereceria a mão da encantadora donzela, dentro dos padrões culturais do tempo, quando a jovem, aos treze anos, e, o jovem por volta dos catorze, tornavam-se aptos para o matrimônio e este era procurado e acertado pelos pais. Quanto a José as opiniões divergem; pois, para uns, ele era jovem; para outros, um senhor já maduro; e, para alguns ainda, até seria um viúvo, como aparece nos Evangelhos apócrifos e mesmo em escritores orientais. Daí, deduzem alguns, os «irmãos> de Jesus seriam filhos do primeiro matrimônio de José (cf. Carlos Cecchelli, Mater Christi, Roma 1948). No ocidente, São Jerônimo derrubou esta hipótese com a afirmação da virgindade perpétua de José que acabou sendo a doutrina da Igreja.

Era ele da mesma estirpe de Maria, na linha de descendência da família real de Davi, sem significar que, na oportunidade, este parentesco lhe desse algum destaque na sociedade, pois a casa de Davi perdera, lentamente, os privilégios e as mordomias que lhe advinham da ilustre ascendência. Nos costumes vigentes na época, entre o «noivado» e o «casamento» permeavam até alguns anos, pois os esponsais judeus compreendiam como duas etapas: o desposório ou noivado e o casamento ou matrimônio. Os primeiros realizavam-se na casa da noiva, mediante uma cerimônia em que o noivo entregava à noiva uma moeda com as palavras: «por este sinal ficas desposada comigo). Equivalia ao nosso matrimônio, pois a noiva recebia o tratamento de esposa, e caso o noivo viesse a falecer, a noiva era tida como viúva e caso houvesse rompimento do compromisso, podia ela pedir uma taxa de compensação, tal qual a esposa. No tocante ao adultério e à fidelidade, funcionava o mesmo rigor. Via de regra, passava-se um ano para o segundo passo: o matrimônio, quando o noivo conduzia a noiva à própria casa, buscando-a na casa dos pais, como o dão a entender as parábolas de Cristo, onde festividades de uma semana selavam a união. Nada sabemos de como foram aproximados José e Maria. Nem tampouco temos dados a respeito das condições que ambos se impuseram para uma vida conjugal em comum, sob o mesmo teto, na aparente normalidade dos matrimônios de todos os tempos. Estamos no campo das conjecturas nascidas da leitura das entrelinhas do pouco que possuímos a respeito.

Em todo o caso, José aparece sempre como o ESPOSO de Maria, como em Lucas 2,5, quando fala da ida a Belém, onde foi José, «a fim de recensear-se com Maria sua ESPOSA, que se achava grávida». Para todos os efeitos também, José, na opinião pública do tempo, era o «pai» de Jesus, como o registra Lucas: «iam seus pais, todos os anos, a Jerusalém, pela festa da Páscoa» (2,41). E pouco mais adiante coloca na boca de Maria: «Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura». Assim, como fica claro, José percorreu todas as etapas legais do tempo para as várias fases entre a promessa e a realização oficial do matrimônio, quando os dois começaram a viver de tal modo que, ante os olhos do público, formavam uma família legal, onde São José não aparecia apenas como um esposo ou pai «faz-de-conta», para defender a honra de Maria contra os rigores da Lei e as más línguas do público, tão afiadas naquele tempo como hoje.

José, pois, como esposo de Maria era o pai legal de Jesus. Daí aparece ele nas genealogias, que entre os hebreus eram formuladas na linha masculina: “A figura do pai legal é equivalente quanto a direitos e obrigações à do verdadeiro pai. Neste fato, fundamenta-se solidamente a doutrina e a devoção ao Santo Patriarca como padroeiro universal da Igreja, visto que foi escolhido para desempenhar uma função muito singular no plano divino da nossa salvação: pela paternidade legal de São José, é Jesus Cristo Messias descendente de Davi” (cf. Bíblia Sagrada, Edições Theologica, Braga 1985, p. 112).

Dos relacionamentos da vida familiar, da partilha dos inícios do matrimônio, dos dolorosos momentos de ansiedade e dúvida, pouco ou nada podemos pescar das fontes apenas entregar-nos a divagações e deduções que, sem dúvida, são válidas para captar algo deste mistério, para idealizar a história de um par que Deus, num determinado momento, atraiu para o centro de seu plano. Os dois, na fé, deram seu SIM e com ele se envolveram numa história luminosa e sangrenta, de cujos benefícios ainda hoje nós colhemos os frutos.

Por isso, o casamento de José é uma fusão da ternura com a fé desafiada e levada à maturidade, fé que o fazia enxergar nas sombras da realidade de envolvente a vontade de Deus, por vezes, dura e escorregadia, lenta em revelar-se, dolorosa quando clara. Esta fé fê-lo o esposo que devia confiar contra todas as evidências, que devia contentar-se com um «sonho» e a voz de um «anjo» como respostas às suas angústias e interrogações, que devia acreditar que o que lhe era pedido fazia parte de um plano total, cuja maturação estava um pouco mais adiante, seguindo uma linha de agir de Deus, que vinha desde seu ancestral Abraão. que devia ver à distância… O fato de haver na vida de José um forte apelo à fé não apaga a realidade da ternura e do carinho. Tenho a impressão de que certas opiniões relativas à sexualidade humana, ou algo contrárias até a esta sexualidade, que vigoraram na Igreja, levaram a considerar este casamento um tanto estranhamente. Qualquer troca de carinho que se tentasse insinuar neste casal apareceria, no mínimo, desrespeitosa e, sem dúvida, ainda hoje levantaria gritas de certos teólogos e algumas autoridades eclesiásticas, de maneira que o casal de Nazaré dificilmente poderá ser apresentado como exemplo aos demais casais, sobretudo para os casais de hoje que buscam relacionamento maduro e sadio, dentro de um matrimônio que é obra de Deus e, portanto, querido por ele. Em alguns momentos a legislação sobre o matrimônio parece torná-lo instituição humana, à mercê das interpretações “legalistas”. O esforço de defender a virgindade de Maria parece que transformou São José num «bom velhinho» que tomou sob sua proteção uma indefesa donzela, chamada para importante missão. Daí, até tentativas de fazer de José também um «concebido sem pecado»…

Está intimamente ligado à função de esposo, o episódio que Mateus narra, em 1,18: “Estando Maria, sua Mãe, desposada com José, antes de morarem juntos, notou-se que tinha concebido por virtude do Espírito Santo. José seu ESPOSO, como era justo e não a queria infamar, resolveu deixá-la secretamente”. Breve trecho que, na sua parcimônia, oculta todo o drama que se apoderou de alguém que agia dentro da justiça de Deus, isto é, que queria ser justo. O hábito de ouvir este trecho já nem nos impressiona mais e nos faz ver e aceitar, como natural, a dramaticidade destas linhas. Aliás, tudo quanto se refere à hagiografia aparece-nos sob o filtro do imaginário popular e, assim, os acontecimentos ficam sendo para o «santo» algo de natural, de simples, de carismático e, consequentemente, não lhe abalam as estruturas, nem o machucam ou fazem sofrer. Coloca-se muito de «mágico» na vida dos santos. Mas é mera ilusão fabricada por um imaginário que teme o sofrimento e distorce os fatos e deforma o mundo do além. Quando os santos, inclusive São José, sofriam as consequências da natureza humana e debatiam-se em dúvidas angustiosas que eles não podiam mitigar pelo fato de pertencerem ao grupo dos chamados de Deus, porque Deus não trata com mais delicadeza os seus escolhidos, como o sabemos muito bem dos ensinamentos da Sagrada Escritura e da vida de alguns santos.

Nossa maneira «piedosa» de considerar Maria recusa-se a aceitar que José tivesse dúvidas a respeito de sua honestidade, quando o dilema crucial dele, foi exatamente a dúvida: como teria ela engravidado!? Embora conhecesse ele muito pouco dos mistérios da biologia e da concepção, sabia, no entanto, o bastante para deduzir que tal fenômeno é colaboração de homem e mulher. E não lhe ocorreria, sem mais nem menos, vislumbrar, aqui, o dedo de Deus. José era “justo” o que em linguagem hebraica, significava piedoso, servidor irrepreensível de Deus, cumpridor da vontade de Deus, e mesmo bom e caritativo com o próximo. Por isso, não passariam por sua cabeça pensamentos de desconfiança. Considerava Maria fora de qualquer suspeita, correta e santa, igualmente, como ele, «justa». Estava, porém, frente a uma realidade inexplicável. Sendo temente à Lei de Deus, sentia-se chamado a repudiá-la. Não conseguindo catalogá-la entre os infames, resolveu-se por uma saída que não prejudicasse o bom nome da esposa: abandoná-la secretamente. Para todos os efeitos passaria ele por um irresponsável que, às vésperas do nascimento do primogênito, deixa tudo e se mete mundo afora. Melhor assim que levar a esposa às barras dos tribunais, que não conheciam apelação, quando se tratava de uma mulher, e cuja sentença, na certa, seria o apedrejamento. Arcaria ele com a carga de infame…

É, nesta hora, que Deus entra em cena, continua o evangelista: “Andando ele com este pensamento, apareceu-lhe, em sonhos, um anjo do Senhor que lhe disse: ‘José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é obra do Espírito Santo’… E José, despertando do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu a sua esposa …” Sem dúvida, no momento da crise, Deus interveio, mas de um modo igualmente, exigente: através de um sonho, vale dizer através de um «sinal». Ora, sinal ou sacramento é um tipo de linguagem que contém em si mesmo algo de misterioso, algo de incompreensível à primeira vista, que reclama uma interpretação, ponderação e adesão da vontade. Bem podemos imaginar a carga de fé que foi exigida àquele homem. E ele suportou a prova, venceu o teste. Ficou firme na sua posição, enfrentou o futuro, e a partir daí entrou em cheio na vida de Cristo e de Maria.

Exige-se uma sensibilidade muito afinada com a vontade de Deus para perceber suas ordens através de sinais. E José o fará muitas vezes, sempre no silêncio. Não no silêncio passivo de quem se dobra ao sinal sem coragem para reagir ou retrucar. Temperamentos há que recusam manifestar-se frente a qualquer situação, seja por comodismo, seja por medo, seja por incapacidade. Mas o de José é o silêncio da fé: viu com os olhos da alma. Percebeu e captou a mensagem. A manifestação que recebeu de fora, foi como que a maturação de algo que se elaborara em seu interior. É a intuição daquilo que a palavra não verbaliza, mas que se transforma como que na tranquila posse da verdade, o suficiente para eliminar os fantasmas da dúvida roedora e serenar as plagas profundas da alma humana. Tais momentos são como que a repetição da chamada de Deus, uma segunda incumbência, um reflorescer da vocação.

Estes momentos atravessados por José demonstram a riqueza da vivência escondida no seu matrimônio. Ele é mais que o encontro de um homem e de uma mulher, na tentativa de juntos trilharem os caminhos da história. É uma comunhão profunda que envolve o homem em todos os seus mecanismos psicológicos e não lhe permite ser mero espectador, mas o atrai para o meio da luta, exigindo tomadas de posição que cansam, desgastam, mas levam ao entendimento do mistério, onde cada um é um, mas mais do que nunca um-para-o-outro. Da postura de José emanariam considerações preciosas para os casais de nossos dias, que transformam as dúvidas e as angústias em ferramentas de guerra e fazem da família um campo de batalha …

José o operário

Quando Jesus visitou sua terra Natal, conforme Mateus (13,53), seus conterrâneos pasmaram de sua sabedoria e se perguntavam: «Não é ele o filho do carpinteiro?» Diziam «do» carpinteiro, indicando que José exercia esta profissão e que pessoalmente era ele conhecido, como tal, daí a presença do artigo «o». E atestavam, além disso, que filho de carpinteiro não era pessoa de cursar universidades e adquirir ciências. Tal, como hoje .. É o único lugar, nos Evangelhos, em que se menciona a profissão de José. Em Marcos (6,3), o próprio Jesus é chamado de carpinteiro. Como Nazaré era uma aldeia de poucos habitantes e de pouquíssima exploração imobiliária, certamente não comportava mais que um marceneiro que, dentro das exigências locais, desempenhava um leque de funções ligadas à utilização do ferro e da madeira, tanto na ordem do mobiliário da casa, quanto na construção e acabamento a própria casa.

Nosso imaginário popular vem povoado das imagens os «santinhos» de nossa infância ou de quadros das igrejas ou familiares, mesmo nos manuais de catecismo, onde a Virgem aparece ocupada com trabalhos manuais de agulha, servida por anjinhos que lhe facilitam a tarefa, enquanto José se ocupa com plainas, machados, serrotes, martelos e madeiras, ajudado pelo Menino que cata cavacos ou modela cruzes com restos de madeira. Tudo dentro de uma atmosfera idílica, que sem dúvida prejudicou a ideia de realismo com que São José teve de enfrentar o dia a dia, na dura realidade de depender exclusivamente do próprio trabalho, sem as alternativas do milagre, ou da intervenção extraordinária de Deus. Devia, além disso, enfrentar as condições do tempo, onde o pagamento não acontecia através da moeda, mas da troca, onde os “bons” judeus haviam introduzido a barganha. Vivia na experiência do que o trabalho lhe rendia, o que o situava na faixa pobre de baixa renda.

Aqui, aliás, a gente deve dar-se conta da naturalidade com que Deus age na vida do homem, mesmo quando o tenha engajado expressamente na sua obra salvífica. Não altera as realidades, no sentido de facilitar a tarefa. Assim quando decidiu que o momento da encarnação estava maduro, escolheu uma família na aparente normalidade dos moldes culturais do momento, sem «inventar» uma nova família com características diferentes. Mesmo a sustentação desta família correu por conta das circunstâncias que compunham o dia a dia de José e de sua esposa que, ao que tudo indica, pertenciam à estirpe de Davi, mas não faziam parte dos privilegiados da realeza, cujas mordomias facilitam tanto a vida e até excluem da servidão ao trabalho.

Portanto, da subordinação ao trabalho, da lei que rege o sustento da vida, nem José se eximiu, ou melhor dito: Deus não poupou o pai adotivo de seu Filho. Como não possuímos dados sobre a tarefa específica exercida por José, não dispomos igualmente de dados que nos explicitem a forma como ele desempenhou esta função. Mas tudo isso parece-me vir condensado na palavra «justo», entendido como aquele que se esforça para estar em tudo afinado com a vontade de Deus. Que procura, dentro de sua realidade cotidiana, realizar o equilíbrio difícil entre a vontade de Deus e aquilo que estamos desafiados a executar, sem lançar mão de subterfúgios ou de falsos misticismos, porque, afinal, mesmo na esfera do relacionamento com Deus corremos riscos de nos iludir ou anestesiar. E a ilusão é péssima companheira do homem que busca a perfeição. E, nesta linha, São José não foi poupado dos cansaços, dos suores, dos desânimos, e mesmo das revoltas. Viveu o trabalho no seu puro realismo, capaz de gerar alegrias, sem deixar de provocar sofrimentos.

Os santos são, por vezes, pintados pelo imaginário popular de forma algo desencarnada, mais perto do «de lá» do que do «de cá», quase neuróticos, de maneira que suas vidas pouco têm de atraente e bastante de repelente. Quando, em verdade, ser santo, por conteúdo do termo, entende-se um homem equilibrado, saudável mental e psicologicamente. Por isso, pensando em São José, imagino-o extremamente saudável e equilibrado e, consequentemente realista, que não alimentava sua fé com ilusões nem mascarava a realidade da vida com pseudo-misticismos, que não passam de fugas ingênuas. Enfrentava a vida de frente. Quanto ao trabalho, encarava-o ele como alternativa natural para construir a história que é confiada a cada homem e cada grupo humano e de alimentar a família que lhe fora entregue. Não via neste trabalho resquícios de castigo, nem achava que a situação de operário o colocava em escala inferior frente às demais profissões. Claro, que a consciência de classe daquela altura da história não se podia comparar à de hoje, como também não se podiam comparar os desvios e as manipulações a que o trabalho foi sujeito no correr da história, mormente em épocas de consumismo e capitalismo. O trabalho não apenas deve ser libertado de uma estrutura ou dos regimes que transformam o homem em escravo e escabelo, mas também deve ser libertado de concepções que o deformam e o apresentam como «carga», sejam quais forem as condições dentro das quais é ele executado. Por vezes fica a impressão de que a luta não é contra as condições adversas do trabalho, mas contra o próprio trabalho. Busca-se a libertação não das estruturas, mas da condição de “homo faber”.

Os documentos eclesiásticos designam José como «exemplar opificum» – «modelo dos operários», não visando simplesmente um sujeite passivo do trabalho, fatalisticamente preso a ele, que aguarda a solução dos sofrimentos do trabalho para os tempos escatológicos, mas como aquele que, apesar da situação histórica, tem uma visão teológica do trabalho, isto é, discerne Deus no seu trabalho, como o expôs João Paulo II, na sua Encíclica Laborem exercens.

Bem podemos imaginar São José como o homem que descobriu o mistério alimentador do trabalho, mesmo fatigante e esmagador: a razão familiar. Trabalhar para ele era arrancar do suor, das horas pesadas, da dura madeira, do ingrato labor, o pão com que alimentava sua bela esposa e o filho querido. Nada era desmesuradamente pesado, se no final de penosa jornada, podia fornecer a humilde dispensa de sua casinha, também humilde, em tudo igualzinha às demais daquele aglomerado de Nazaré, que mal merecia o nome de rua. Sem uma razão sólida que inflame o coração, a energia desprende-se das mãos e a inspiração foge da imaginação. Se o operário, ele mesmo, se coloca como razão de seu trabalho, terá pouca resistência e menor perseverança e nenhuma capacidade de enfrentar os reveses ocultos no bojo da dura missão de operário, que expressa subordinação e escassas compensações materiais. É o que me levam a pensar esses homens que, de marmita na mão, passam uma parte do dia apinhados num trem da Central e outra parte mourejando em fábricas ou ao ar livre, mal alimentados e pior remunerados: se neles não palpitasse a necessidade carinhosa de alimentar uma família, se não tivessem diante dos olhos a imagem da mulher grávida frente ao barraco e dos filhos nus e barrigudos de fome, não teriam uma sujeição que dura anos… Toda tarefa deve enraizar-se numa ideia carinhosa e tenra. Só assim o trabalho participa da ternura salvadora. Sem dúvida, fica difícil fazer aflorar o amor nesta trevosa realidade, como é difícil descobrir estrelas numa noite de tempestade. Mas tanto o amor quanto as estreIas existem sempre. E não é porque não aparecem que as estrelas e amor não existem. O importante é que existem dentro de mim.

Não precisamos, pois, fabricar artificialmente argumentos para imaginar José na fidelidade alegre de seu trabalho: ele amava. E amava profundamente com todas as veras da alma, porque possuía ternura e recebia ternura de Maria. Os dois não passavam o tempo todo discutindo temas teológicos ou lendo a Bíblia, fazendo aproximações entre o Antigo e o Novo Testamento, pois não sabiam estar no «Novo». Sabiam que Deus os amava e eles se amavam ternamente, pois, também para a durabilidade do matrimônio de José e Maria se fazia necessário o amor. Não viveram na aparência de querer-se bem. Não foram unidos pelo «milagre», mas pelo amor. E o Menino que ali estava era a fonte renovadora e inspiradora deste amor. Cada um deles devia dar a sua colaboração amorosa e compreensiva. Também para eles havia renúncias.

Um casamento como o deles corre o risco de ser encarado dentro de uma aura sobrenatural tal, que, no concreto, não passaria de um «arranjo» de Deus, para emprestar validade e salvar aparências. José e Maria seriam dois «atores» e nada mais. No entanto, eram marido e mulher, um homem e uma mulher e, embora celibatários, tinham sua sexualidade e dentro da realidade em que Deus os havia colocado deviam construir o seu matrimônio. Embora não tivessem trocas sexuais, tinham expressões de carinho alimentadoras da vida a dois. Suas renúncias tinham motivações profundas, por isso não viviam frustrados, podendo, pois, servir de exemplo tanto para os que optam pela vida em matrimônio, como para os que escolhem a vida na virgindade consagrada.

Tudo se lhes tornara generosidade. Onde há generosidade, não há revolta. Assoma a gratuidade. Com ela nasce a confiança. Encontra-se o mistério de Deus. Não é possível entender tudo. Menos ainda verbalizar tudo. Mas tudo pode ser vivenciado. José, porém, entendia o bastante para sentir a paz interior. E paz interior é paz consigo mesmo, com sua realidade existencial. Quando dizemos que José era humilde, sem ambições, que não buscava lucros nem sonhava fortunas, dizemo-lo um homem pacificado. O mesmo se afirme em relação ao trabalho. Sua atitude não deve ser confundida com uma aprovação tácita, silenciosa, da realidade obreira do tempo, afastada do plano do Criador, nem ignorância da situação vigente, como se ele pairasse em atmosfera mística superior, nem um cômodo pacto com as injustiças gritantes, por ele viver já na escatologia. De sua parte, descobrira-se operário de Deus, portanto, engajado em uma obra de proporções tais que não tinha seu término marcado para o fim do dia, da semana, da estação ou do ano, mas em uma obra que vinha do fundo dos séculos e caminhava para o futuro sem limites, cuja duração se ocultava nos arcanos do Pai. Esta obra reclamava a colaboração humana e não raro, arrancava suor e lágrimas, vida e sangue, angústias e questionamentos. Entre as funções contidas na missão de zelar pelo Filho de Maria e de Deus, estava o trabalho que, como a função geradora de Maria, se tornava imprescindível, para que o plano maturasse em plena apoteose. No momento em que José entendeu que «o que acontecia em Maria era obra de Deus», tudo o mais ficou iluminado por esta compreensão, nascendo daí a fidelidade ao seu trabalho, mesmo no seu aspecto braçal. E captava toda a honra que tal trabalho significava. Não procurou passar por «empresário» de Deus, pois, não via nisso maior honra que «operário» de Deus.

Como conhecia determinadas técnicas para amaciar a madeira e torná-la dócil aos movimentos das ferramentas e de suas mãos, assim José encontrou profundas motivações que o faziam feliz e realizado em seu trabalho, evitando amargar a realidade com a revolta e a crítica azeda, o inconformismo e os sonhos de vidas diferentes. Tinha, pois, uma consciência correta do que significava ser «operário». Justo é o que tenta harmonizar sua vida e seu agir com o plano de Deus que intuiu na fé.


Espectador do mistério

A vida de José vem marcada pelo mistério. Desde que Deus decretara o fim da espera e optara pela realização da promessa, José esteve presente. Foi mesmo atraído para o centro do mistério, como para dentro de um turbilhão. Acabou seu sossego. A ordem do Senhor expressa no imperativo LEVANTA-TE começa a se tornar-lhe familiar, com os deslocamentos e penas que lhe são característicos. O tufão apanhou o jovem casal e o Filho e os fez experimentar as intempéries próprias a todos os viventes da faixa pobre, sem mitigação e sem considerações, lembrando sempre: não poupou seu próprio Filho.

A anunciação trouxe a José noites de vigília e de sofrimento profundo, quando sua crença inabalável na honestidade da esposa media forças com uma realidade brutal que enchia os olhos e alimentava a dúvida, até que a intervenção de Deus terminou por sossegá-lo, evitando uma decisão precipitada que o teria afastado de outros lances em que Deus contava com ele. A fuga, que tantas vezes se apresenta como alternativa ao homem, tocou a José, com seu convite manso, como acontecera com Jonas ou com Elias.

Quando da visita a Isabel não nos consta tenha ele acompanhado a esposa, ainda que mais uma vez nosso imaginário popular tente ajudar, através dos artistas que pintam as duas mulheres absortas no sublime diálogo dos mistérios que elas traziam em seu seio, enquanto dois senhores, José e Zacarias, assistem silenciosamente, à distância. Terá Maria guardado silêncio como na ocasião da gravidez, ou teriam, em diálogos, trocado ideias e partilhado dos segredos das montanhas de Hebron? Ou teriam os dois vivido paralelamente as experiências sem uma partilha integrativa? Somos pela partilha mais do que pelo silêncio …

No episódio do nascimento, o próprio Evangelista colocou José tomando as providências e participando ativamente na solução dos problemas humanos criados pelas circunstâncias. Como cabeça da família cabia-lhe organizar a viagem a Belém, para o alistamento ordenado por César Augusto e ali foi colhido por mais um turbilhão de angústias com a procura da hospedagem que, seja por lotação de peregrinos, seja pela dureza dos corações, lhes foi negada, no crucial momento logo antes do parto. Apesar da bondade de Deus, sempre junto aos seus amados, bem podemos imaginar o desespero de José, que foi tomando corpo, à medida que aumentavam as negativas e diminuíam as probabilidades, ameaçando-os com um relento doloroso. Tudo para ele se tornava complicado, desde os preços proibitivos para uma noite de albergue até a aquisição das coisas mais indispensáveis. Outra vez o imaginário popular encheu nossas cabeças com luz, estrelas, anjos cantantes, ocultando toda uma realidade dolorosa onde José sentiu sua fé, mais uma vez, provada, tentando ver onde o caminho de Deus se paralelizava com o dos homens, pois para ele, naquele momento, havia milhares de perguntas fervilhando na alma, como as multidões de estrelas que brilhavam no céu. Para os pastores, os anjos ofereceram como «sinal» um Menino envolto em panos, e para José qual teria sido o sinal?

Sem dúvida, estava ele consciente de se encontrar frente ao mistério, que é o modo singular do agir de Deus. Mas estava igualmente consciente de que devia fazer gestos concretos. Não podia contentar-se em ficar em comovida contemplação frente àquele Menino, rememorando como Deus o havia feito participante daquele mistério. Cabia a ele a responsabilidade de ajudar o Menino a crescer, em todas as dimensões, pois, afinal, os laços que entre os dois haviam sido estabelecidos, como resultado do chamado de Deus, não eram simples «aparências», mas responsabilidade histórica. Deveria colocar-se todo inteiro a serviço desta missão. Podia não «ser» o pai, mas ele sentia-se, pai até as profundezas de seu ser e não simples espectador da maternidade de sua esposa. E não iriam tardar os chamados de Deus que comprovariam que Deus também pensava assim: havia dado a seu Filho um PAI terreno.

É interessante notar quanto Deus pode exigir de um homem que se deixou atrair para o centro do mistério, levando-o a caminhar à luz da fé em meio a mil acontecimentos que abalam programas e desmontam perspectivas, exigindo uma atenção constante para perceber de onde sopra o vento, obrigando a dizer «amém» ou dizer «sim», mesmo quando, ou principalmente, os motivos de Deus não aparecem claros ou até contraditórios, na repetição do pedido feito a Abraão para que sacrificasse o filho da promessa. Caminhar à luz de Deus, nestas horas, reclama um homem formado na escola de Deus, do recolhimento e da reflexão que fortalecem o interior do homem e o tornam forte frente às contradições, verdadeiras ou aparentes. Aqui, entende-se um pouco mais o silêncio de José: precisava dele para fortificar-se. Para reintegrar-se. O Evangelho diz que Maria guardava as palavras e as meditava em seu coração, identicamente deveria acontecer com José que ia recolhendo os sinais de Deus, a concreção da gratuidade de Deus, na forma de um Menino que fora entregue aos seus cuidados. E aquela espada de dor que o velho Simeão profetizara para a Mãe, como dolorosa perspectiva de horizontes sangrentos, atingiria também o coração do pai. Também no sofrimento cabia-lhe partilhar com a esposa.

Certo, terá sua caminhada cortada antes de chegar ao Calvário, não precisando ficar de pé junto à Cruz. Mas no trecho de caminhada que lhe coube como companheiro de Cristo, deu sua colaboração também no aspecto do sofrimento, numa participação sempre mais consciente e livre, sem condicionamentos ou medos do além. Também ele misturou seu sangue com o sacrifício salvífico, porque todos aqueles que são colocados em sociedade com Cristo salvador devem partilhar de seu sofrimento, sem o qual não há redenção. Deus não convida espectadores festivos ou caravanas de comícios para aplaudir. Quer homens de comunhão. Porque só existe responsabilidade na liberdade. Por isso, não podemos interpretar o silêncio de José como um oásis fornecedor de sombras e de melodias interiores apenas, mas como um laboratório onde purificava suas dúvidas, amansava suas revoltas, retemperava suas motivações e recriava sua disposição de discernir a vontade de Deus nestes «sinais» tão dispares por vezes. Assim, a vida com suas brutalidades não lhe desintegrava a vida interior, mas fazia de José um «contemplativo» no sentido mais puro e concreto do termo. Era o homem que «via» além das aparências, chegando à raiz das realidades, criando aquele espaço onde podia dialogar com Deus. Por isso, São Bernardo escreve: «O Senhor encontrou José segundo o seu coração e confiou-lhe, com plena segurança, o mais misterioso e sagrado segredo de sua sabedoria, concedendo-lhe conhecer o mistério, desconhecido a todos os princípes deste mundo».

Se aos Apóstolos Cristo dizia: «a vós foi dado conhecer os mistérios do Reino», quanto mais concedeu esta ventura a José, companheiro de longos anos, mestre do entalhe, exemplo vivo de homem de Deus, participante da intimidade do lar, numa afinação maravilhosa de pai e filho. Por isso, São José é o espectador e colaborador privilegiado que vê e participa, que vibra e sofre, que vive e encarna o mistério da vida do Salvador e com o Salvador e a exemplo dele «cresce em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens» (Lc 2,52), até que amparado por Jesus e Maria faz sua passagem para a casa do Pai, para o reino do não-mistério…

Desterrado com Deus

Dentre as horas angustiosas que ensombraram a vida de São José, sem dúvida, figuram aquelas que cercavam a fuga para o Egito. Depois da visita dos Magos, «eis que um anjo do Senhor apareceu, em sonhos, a José e diz-lhe: levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egito, e fica lá, até eu te avisar, porque Herodes vai procurar o Menino para o matar» (Mt 2,13). Uma ordem em todos os sentidos desafiadora e estonteante. Coloca um homem frente a um tremendo claro-escuro: afinal, o que é que Deus está querendo? Quando os problemas que haviam envolvido o nascimento do Menino pareciam terminados, eis que Deus abre novo filão de problemas. Realmente, o sossego do carpinteiro estava definitivamente comprometido.

Ordem é ordem, diria um bom servo. Mateus continua: «levantou-se, tomou de noite o Menino e sua Mãe e retirou-se para o Egito» (2,14). Secamente descrito o passo, em sua casca exterior, fica, então, ao leitor a pesca dos sentimentos neste lago de águas claro-escuras, por onde se movimenta a vontade de Deus. São José é submetido a dois violentos deslocamentos: o geográfico e o psicológico. Geograficamente, afinal, o Egito não era aí nos arredores de Belém, onde a família se encontrava, nem nas fronteiras próximas de Israel. Havia todo um espaço ouriçado de riscos e perigos e ameaças, verdadeiros e imaginários, pois fora o caminho percorrido pelo povo escolhido, quando da marcha da libertação do Egito, e desta aventura pelos desertos, muita lenda foi criada, com seus monstros e gigantes, enchendo de terror a mente dos judeus. José deveria refazer, ao inverso, o caminho dos antepassados. Deveria enfrentar um povo estranho e fazer a dolorosa experiência do «estrangeiro», que José conhecia da recitação dos Salmos, num país sem o Templo, de língua estranha, de sobrevivência duvidosa.

Junto às dificuldades nascidas dos deslocamentos por aquelas estradas vinham as angústias interiores na perspectiva de dias sombrios, de penúria material, de relacionamentos dificultosos, de trabalhos mal remunerados, sem lembrar o espetro da fome e da marginalização. Deixar Nazaré, a terra natal, as poucas, mas sempre existentes garantias, significava o esvaziamento total. Deus estava exigindo até o fim a entrega do homem, sem reservar para si nem a paz interior. A limpeza da alma passa pelo abandono das coisas mais queridas.

A fuga para o Egito prefigurou, através dos tempos, a procissão dos sem-terra, dos sem-pátria, dos sem-direitos, arrastados pelos acontecimentos, pelos racismos, pelas discriminações, pelas guerras, pelas injustiças, pelo poderio ganancioso, pelos deuses sentados em tronos esmagando pequenos, ao toque de tambores, ao troar de canhões, à força de decretos expropriatórios, de conchavos de partidos todo-poderosos, de falsas alegações de segurança nacional. Fez, pois, a Sagrada Família a experiência do retirante, do exilado, do migrante, do nordestino deslocado. Nessa dura prova, teve José de manter-se firme, pois cabia a ele tomar decisões, traçar rumos, resolver problemas, arcar com as responsabilidades, rasgar escuridões, enfim, fazer as vezes do Pai mesmo dentro do túnel da dúvida.

À semelhança dos místicos, atravessou ele a «noite escura», onde a lua da fé devia espancar as trevas da dúvida, da angústia, da estupefação, do silêncio da realidade e de Deus, numa perigosa vizinhança com o desespero e a revolta. Interessante que José recebia suas mensagens sempre à noite, como que significando a noite que, por vezes, lhe envolvia a alma, quando tentava decifrar os pianos de Deus. Sem dúvida, estava ele na companhia de Jesus e de Maria. Que melhor companhia! Mesmo assim bebeu o cálice da amargura, do medo do amanhã, das horas sem eco. Falaria com a esposa dos sentimentos que lhe turbilhonavam na alma? Receberia dela a palavra tranquilizadora da confiança total no Pai? Creio que sim. Creio que a certeza de estar em tão sublime companhia deve ter derramado na alma ondas de consolação e de fortalecimento, ajudando-o a erguer-se, a caminhar, a acreditar, a amar sua missão. Como diz São João Crisóstomo: “É bem verdade que Deus, amigo dos homens, misturava trabalhos e doçuras forma de agir que emprega com todos os santos. Nem perigos, nem consolações ele no-los dá ininterruptamente, mas com uns e com outros vai entretecendo a vida dos justos. Assim fez com José”.

Pode-se, pois, embora com poucos dados, concluir que a vida de São José foi tecida por uma mistura de alegrias e consolações, de sobressaltos e tormentos profundos, levando-o a viver todo o místico ensinamento e o dinamismo dos Salmos, que como bom judeu conhecia e recitava constantemente, a exemplo de seu ancestral Davi que estivera em encruzilhadas semelhantes e experimentara o sofrimento como uma cárie que lhe ia devorando os ossos. Viveu a «proximidade física» de Deus e os percalços que o iam despojando das seguranças terrenas e limpavam os espaços interiores, que iam sendo ocupados por Deus. Talvez, não tivesse ele palavras para as expressar, mas o fato é que estava fazendo a mais bela experiência de Deus, que os séculos posteriores, a partir dos desertos até os nossos dias nas pequenas comunidade que vão nascendo, tentariam tematizar e viver…

Por fim

Peregrino andante, desterrado com Deus, companheiro de Jesus e de Maria pelos caminhos da diáspora, família de Deus sem-terra e sem-teto, alma grande que não se entregou ao desespero nem se rendeu à descrença, procissão luminosa a iluminar os horizontes do homem peregrino e desterrado, exemplo vivo do pôr-se-a-serviço e do deixar-se-arrastar pelos caminhos do século, cooperador da salvação, gota de suor e sangue a completar o cálice do Senhor, homem das longas caminhadas que, afinal, um dia, com Jesus de um lado e Maria do outro, atendeu ao último chamado de LEVANTA-TE e VEM, para entrar na glória do Pai e colocar-se como o inspirador da passagem temida, mas querida, de voar para junto daquele que preparou uma apoteose para os carpinteiros de todos os tempos que o ajudaram a CONSTRUIR O REINO SALVADOR…

Esse texto foi publicado na Revista “Grande Sinal”, da Província Franciscana da Imaculada Conceição, editada pela Editora Vozes.